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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu, nem fariseu

O amante

20 out, 2016 • Opinião de Henrique Raposo


Se calhar é tempo de dizer que a liberdade e a dignidade da mulher também precisam dos velhos códigos morais que prezavam a contenção (e o erotismo).

Como é que vou educar duas miúdas numa época que banalizou o sexo até ao ponto em que já não há interdito e erotismo? Como é que vou educar duas garotas numa época em que os rapazes têm o hábito de filmar e publicitar a intimidade sexual?

No meu tempo, o que acontecia em Las Vegas ficava em Las Vegas. Agora não. Como é que vou educar duas miúdas numa época que faz da mulher um mero pedaço de carne?

A coberto da narrativa da emancipação da mulher em relação aos velhos códigos morais, chegámos a um ponto em que a sociedade se afoga todos os dias na carnalização da mulher. O nu feminino está por todo o lado, ora em versão completa, ora em parcelas, um rabo aqui, um busto ali, umas ancas acolá. Seja qual for a versão, este corpo é vendido através da brutalidade porno à Larry Flynt. Há muito que se perdeu o erotismo à Fellini.

Não tenho nada contra rabos, penas e ancas, nem quero que as minhas filhas se comportem como as “virgens sensatas” do Alexandre O’Neill. Não estou a educar, espero, duas botas-de-elástico, nem quero um regresso ao mirífico “antigamente”.

Cá em casa há uma velinha acesa em memória de Dom Rigoberto. Mas julgo que se chegou longe demais. Há miúdas que andam pela rua com t-shirts com inscrições tão sofisticadas como “estrela porno” ou “eat me”. Antes o Che Guevara! Qual é o final desta linha?

E, já agora, quando é isto tudo começou? Talvez em 1960 com o julgamento que opôs o estado britânico à Penguin, que queria fazer uma edição de bolso do romance de D. W. Lawrence, “O Amante de Lady Chatterley” (1928). As autoridades reagiram à massificação de um livro considerado “depravado e corruptor da juventude”. O veredicto foi favorável à editora e simboliza até hoje a viragem da (alegada) repressão religiosa para a (alegada) libertação da nova moral sexual. Philip Larkin eternizaria o momento: “sexual intercourse began/in nineteen sixty-three (...) Between the end of ‘Chatterley’ ban/and The Beatles first LP”.

Claro que é inaceitável voltar ao tempo em que os fariseus podiam censurar um livro considerado “depravado”. Mas o actual caminho também é inaceitável. Em nome da liberdade ou da libertação em relação a um passado considerado retrógrado, uma cultura pornográfica e antifeminista instalou-se no centro da nossa cultura.

Olhe-se, por exemplo, para o mundo dos videoclipes, a começar no hip-hop ou rap: a mulher é sempre retratada como um objecto sexual sem vontade própria, está apenas dois palmos acima da boneca insuflável, não é uma mulher, é a "bitch".

Se calhar, é tempo de dizer que chegámos a um beco sem saída. Se calhar, é tempo de dizer que a liberdade e a dignidade da mulher também precisam dos velhos códigos morais que prezavam a contenção (e o erotismo). Se calhar, a religião e a fé são o futuro da mulher, o futuro de uma genuína emancipação feminina feita na cabeça e não no corpo.

Pelo menos, é o que vou tentar ensinar às minhas miúdas, dando-lhes a ler a Bíblia mas também “Os Cadernos de Dom Rigoberto”.

Comentários
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  • Margarida
    20 nov, 2016 Cascais 16:23
    Gostei muito do artigo. Obrigada. Nem sempre é fácil ensinar às nossas filhas que captar uma atenção imediata de um rapaz não compensa. Saber esperar é uma arte que a nossa sociedade não ensina. O valor da amizade e o seu cultivo requer tempo e paciência. A fast food sexual enfastia. Espero poder ensinar aos meus filhos rapazes a paciência de procurarem a interioridade de uma rapariga. Desejo que se comportem como cavalheiros e saibam crescer na capacidade de amar.
  • Maria Menezes
    05 nov, 2016 Porto 11:23
    Concordo com as suas opiniões, mas como mulher, acho que a maior responsabilidade cabe, precisamente, às mulheres; agem e reagem como animais famintos , quando farejam as presas . É degradante assistir a alguns programas televisivos, abordam-se situações sem qualquer pudor e as mulheres presentes reagem como alarves descarados. Até quando vai ser permitido assistir a espetáculos em que o único objetivo é divulgar a falta de dignidade? Basta!
  • Lucinda de Jesus
    28 out, 2016 Oeiras 16:36
    Excelente! Graças a Deus pelo seu discernimento e coragem! Senti-me confortada e reforçou em mim a Esperança de um mundo melhor. Parabéns!
  • João Lopes
    28 out, 2016 Viseu 11:56
    Excelente artigo!
  • António Costa
    21 out, 2016 Cacém 12:33
    Onde estamos? Até onde chegamos? Liberdade é uma palavra muito "forte"...acaba onde começa a Liberdade dos outros...A mulher é "mais livre"? Sim no mundo Ocidental. O que aconteceu com o "problema da liberdade" da Mulher acontece com tudo! Não é um "exclusivo" da Mulher! É um problema de saber quais os Nossos Princípios e Raízes! Ensinar aos filhos os nossos Princípios e Raízes e eles seguirão o seu caminho, como nós seguimos o nosso.
  • hugo
    20 out, 2016 carcavelos 21:59
    gostei muito do artigo !
  • João Lopes
    20 out, 2016 Viseu 21:35
    Excelente artigo de HR: «A coberto da narrativa da emancipação da mulher em relação aos velhos códigos morais, chegámos a um ponto em que a sociedade se afoga todos os dias na carnalização da mulher…Em nome da liberdade ou da libertação em relação a um passado considerado retrógrado, uma cultura porno-gráfica e antifeminista instalou-se no centro da nossa cultura...Se calhar, a religião e a fé são o futuro da mulher, o futuro de uma genuína emancipação feminina feita na cabeça e não no corpo».