13 jul, 2016
O futebol não é toda a vida das pessoas; mas é uma parte importante da vida de muitas pessoas. Quase ninguém ficou insensível, por estes dias, ao maior feito do futebol sénior nacional alcançado: o título de campeões da Europa no Euro 2016.
Dirão os críticos que tanto tempo de antena para um simples desporto é um exagero alienante; e dirão os catastrofistas que uma taça não apaga os problemas persistentes que o país vai revelando, pela crise e incerteza que não dão folga. Os realistas, esses, dirão que o título de campeão ajuda um país a aumentar o seu sentimento de patriotismo, de identidade, de pertença e de autoconfiança, apesar dos desafios difíceis do dia-a-dia. E os entusiastas não hesitarão em dizer que o que onze jogadores exibiram em sete jogos nos relvados de França pode ser mimetizado para muito mais do que apenas o futebol.
Pouco (me) importam agora as extensas perorações e muita literatura dos analistas – como a aposta na formação dos jovens está a dar frutos, como a Federação está muito mais profissional, como as tácticas foram montadas, como os jogadores se entrosaram bem e fizeram por merecer a sorte, como a selecção de 2016 soube evoluir das épicas vitórias morais à fria eficácia de querer e saber ganhar jogando bem ou só assim-assim. O que mais (me) interessa é que os da minha geração coleccionaram durante anos pequenas-grandes frustrações: na adolescência, o minuto 119 da meia-final de 1984 e o caso Saltillo de 1986; depois, já adultos, o chapéu de Poborsky a Baía, o penalty de Abel Xavier, o estranho caso da Coreia-Japão, a tragédia grega de 2004 e, desde então, boas campanhas (no Euro – o Mundial é pior), mas zero títulos. Vencer o Europeu em Paris, derrotando a anfitriã França, não foi vingança: foi justiça poética. O país de Platini e Zidane deixou de ser imbatível para os “petit portugais” que, muito justamente, andarão agora pelo mundo bem mais orgulhosos e contentes.
Para o adepto anónimo, o futebol não é uma ciência – é um espectáculo, uma emoção e uma paixão. Pode ser, sobretudo, uma intensa experiência humana. É um pouco ilógico que tenhamos sido campeões com uma equipa inferior a outras passadas. Mas a teoria não conta para aqui. E na prática, esta equipa, desdenhada por muitos e insultada pela imprensa francesa, foi mais “equipa” do que nunca: soube ser realista a coleccionar empates, apareceu com instinto matador quando teve de aparecer, fez pela sorte em penaltis e foi magnífica em Paris, no esplendor alcançado na relva de Saint-Denis. Com CR7 “abatido em combate”, teve nervo para resistir táctica e psicologicamente, nunca perdeu o norte nem desconfiou da estrelinha, nunca admitiu não ganhar – e por isso mereceu inteiramente a vitória.
De Rui Patrício a Cristiano Ronaldo, passando por jogadores cujos nomes eram quase desconhecidos do grande público, os 23 não foram apenas talentos: foram talentos numa equipa. É essa a diferença entre jogar bonito e talvez ganhar, e jogar o que é necessário para ganhar de certeza. E depois, houve o factor Fernando Santos – uma espécie de anti Mourinho, tão profissional, sabedor e perseverante quanto o treinador do M. United, mas reservado, humilde, resistente e movido por uma fé e uma crença que contagiaram tudo e todos, e que tornaram profética a promessa de que não voltaria senão no último dia… e com a Taça. Talvez a saga positiva continue no Mundial da Rússia, em 2018. A partir deste título, nada é impossível no futebol português. Para já, seria bom que o espírito do Euro pudesse contagiar um pouco o país, como o Presidente Marcelo pediu. E em todo o caso, ao menos desta vez – e nem que seja só por esta vez – a festa foi nossa. Parabéns Portugal!