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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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Hiroxima: um meio para um fim

01 jun, 2016 • Opinião de José Miguel Sardica


O politicamente correto desejaria que tivesse havido um pedido desculpas pelo bombardeamento atómico. Isto não faz sentido, a não ser que se queira que a humanidade actual expie todos os males do passado.

A meses de deixar a Casa Branca, foi histórica a visita de Barack Obama – a primeira de um presidente americano – a Hiroxima. Entre sobreviventes da bomba atómica detonada pelos EUA, Obama teve um discurso cauteloso e pacifista, lembrando que 1945 fora o “começo do nosso despertar moral” e apelando a que o progresso tecnológico e as revoluções científicas sejam sempre acompanhados (e balizados) por progressos humanos, sociais e morais.

O politicamente correto desejaria que tivesse havido um pedido desculpas pelo bombardeamento atómico. Isto não faz sentido, a não ser que se queira que a humanidade actual expie todos os males do passado, cometidos em tempos e espaços cujos quadros mentais e morais eram muito diferentes dos nossos. Interessante seria perguntar a Obama se, presidente em 1945, teria tomado a mesma decisão que Harry Truman tomou.

Hiroxima foi um dos momentos mais decisivos do século XX. Em 2016, olhando para trás, tanto para o que sabemos sobre a capacidade destrutiva do nuclear como para as décadas de paz e prosperidade que o mundo pôde viver depois da II Guerra – e à luz dos actuais conceitos de humanitarismo e guerra justa (que nem todos seguem…) – é natural que a bomba atómica nos pareça uma decisão cruel e desumana. E foi. Mas foi – em 1945, sublinhe-se bem – o meio julgado mais célere para um fim que se impunha como maior bem a conquistar: o termo da carnificina da II Guerra.

Recém-chegado à presidência, depois da morte de Roosevelt, Truman deu a luz verde para o ataque a Hiroxima com um lacónico “Release when ready”, no rescaldo da Conferência de Potsdam. Agiu guiado por quatro factores. Em primeiro lugar, a guerra durava há quase seis anos, causara já dezenas de milhões de mortos e destruíra um continente inteiro, a uma escala tão absoluta que a paz urgia, a qualquer preço. Em segundo lugar – como Midway, Guam, Iwo Jima e Okinawa já tinham provado – o Japão jamais se renderia numa guerra convencional, e a sua conquista arrastaria o conflito ainda por mais um ano ou dois, com perdas humanas e despesas militares demasiado onerosas para a opinião pública dos EUA. Em terceiro lugar, o programa atómico custara já investimentos tão elevados e estava secretamente envolto em tal expectativa que não podia ir para a gaveta. E em quarto lugar, finalmente, a URSS espreitava já o domínio do mundo, pelo que demonstrar o poderio militar americano através daquela nova e terrífica tecnologia também era uma manobra de contrapropaganda, no horizonte nascente da Guerra Fria. Tudo isto constituía uma base de pressão inescapável e condicionadora das opções da Casa Branca.

Talvez com mais distância (e se fosse Roosevelt ainda?) Truman pudesse ter optado por fazer detonar a bomba atómica no mar do Japão, para demonstrar o seu poderio, com um ultimato ao Imperador para rendição incondicional. Mas não é nada garantido que isso levasse a honra samurai e o espírito “kamikaze” dos nipónicos a cederem. No estado-maior de Hirohito, mesmo depois de Hiroxima e Nagasáqui, havia quem quisesse continuar a lutar. E também no alto comando americano havia quem, para vingar Pearl Harbour, quisesse que o alvo da bomba fosse Tóquio. Aos grandes decisores históricos raramente é dada a melhor altura para escolherem – e por isso as decisões são muitas vezes o possível, e não o que depois se poderá achar desejável. E sem dúvida alguma que era desejável que Hiroxima e Nagasáqui não tivessem sido arrasadas pelo cogumelo atómico.

Comentários
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  • claudio
    02 jun, 2016 torres vedras 09:40
    para o josé Leal...hehehe...é curioso...eu estou na china, e passo o tempo a ver cenas acerca de como a china venceu a guerra fascista, contra o japão...afinal em que ficamos?...os fascistas eram os americanos?...afinal , o hitler era de esquerda e andamos ente tempo todo a pensar o contrário? a solução tomada nessa altura com a bomba atómica divide opiniões desde então...mas uma coisa é certa, se tem dúvidas acerca daquilo que os japoneses eram capazes de fazer, procure acerca de "massacre de Nanjing (ou Nanking)...aí verá o que esses meninos de coro eram...é claro que poderá haver ali pelo meio muita mentira empolada para os demonizar...basta ver que as gerações mais novas de chineses estão plenamente convencidos que foi o exercito chinês do povo, que derrotou os japoneses, tal é a propaganda do partido em relação a essas questões...os americanos são os mauzões imperialistas que vieram para esta zona para tentar ficar com esta região para eles...hehehe... não são nenhuns santos, mas quer gostem , quer não gostem, foi com o enorme contributo deles que se acabou com a segunda guerra mundial, na europa e no pacifico...são imperialistas?...talvez...els de facto na europa, ficaram a dominar todas as zonas libertadas por eles ao alemães...oh...espera..engano meu...esses foram os meninos de coro russos...que sendo muito democraticos, ocuparam tudo aquilo que antes tinha sido ocupado pelos alemães e sugaram esses povos até ao tutano...
  • jose leal
    01 jun, 2016 LISBOA 23:31
    ERA OBRIGATORIO E MOSTRARIA ELEVAÇAO MORAL SE OBAMA (PREMIO NOBEL DA::::GUERRA NAO DA PAZ )PEDISSE DESCULPA AO JAPAO E AO MUNDO INTEIRO PELA BARBARIE DE 1945...!!!!E AINDA TER O DESCARAMENTO DE FALAR NA ANULAÇAO DA ENERGIA NUCLEAR NA GUERRA...OS EUS SAO UM NOJO...E O PILOTO DO AVIAO DISSE HA UNS ANOS...QUE VOLTARIA A LANÇAR AS BOMBAS..!!!MISERAVEL...QUE A TERRA TE SEJA...POUCO LEVE...ABAIXO A FASCISTADA
  • Manuel Pereira
    01 jun, 2016 Porto 22:06
    Há grande contradição no texto do sr.José Sardica: lª diz que Obama devia ter pedido desc ulpa pelas bombas. Logo a seguir dá razão a 100% pelo lançamento das mesmas. Quanto ao sr. Carlos 1 de Junho (16,51). Então o Japão pediu três vezes a rendição? Onde viu isso?. Diga à gente, SFF: (Ou nem diga, que não vale a pena...).
  • António Costa
    01 jun, 2016 Cacém 19:44
    "....suportando o que é insuportável e sofrendo o que é insofrível" assim terminou o Imperador do Japão, no discurso que fez ao seu povo, informando-o de que a guerra tinha acabado. Esta última frase mostra de como a "alma japonesa" via a rendição aos americanos. O Imperador teve de intervir pessoalmente, pois a seguir a destruição de Nagasaki, a Guarda Imperial revoltou-se em seu Nome, apoiada pelos seus conselheiros militares de forma a impedir a rendição. E do lado americano? O governo americano tinha recusado liminarmente, a abertura de negociações de paz ( pretendiam uma rendição incondicional ) , assim como o pedido de cientistas, que consideravam um bombardeamento atómico "imoral".
  • Fred
    01 jun, 2016 Lx 19:36
    O sr Carlos tem que voltar para a escola ou re-ler os sites onde se andou a informar... Eu explico: o japao tentou negociar alguma coisa, antes de postdam, mas foi com os russos, para que depois se negociasse com os eua e gb. O problema é que oficialmente, em termos da esfera de comando e da familia imperial japonesa, nao havia qualquer decisao sobre como negociar a rendicao. Desse modo, apenas a seguir à 2a bomba atomica o imperador tomou alguma decisao. Para sua informacao e cultura geral. Até lhe deixo o link http :// nuclearfiles .org/menu/library/correspondence/togo-sato/corr_togo-sato.htm
  • Carlos
    01 jun, 2016 Lisboa 16:51
    Falta dizer que o Japão fez por 3 vezes um pedido de rendição, e das 3 vezes foi recusado! A última das quais foi a menos de 2 semanas da bomba de Hiroxima... Este "pequeno" detalhe ajuda-nos a perceber o significado da decisão de lançar a bomba.
  • António Costa
    01 jun, 2016 Cacém 11:16
    Para completar, o meu comentário: As armas nucleares usadas no final da II Grande Guerra, apesar do seu enorme poder destrutivo, não passam dos "detonadores" da bomba H, que se seguiu. No final da II Guerra os efeitos da bomba atómica conhecidos eram "apenas" o do seu enorme poder destrutivo. Mas 10 anos depois, o General Douglas MacArthur, comandante das forças da ONU na Coreia, sugere a utilização de bombas nucleares na fronteira entre a China e a Coreia. O seu objetivo era o de criar uma "cintura radioativa" entre a Coreia e a China e impedir assim a China de enviar forças militares para a Coreia. Foi demitido do cargo. A Coreia terminou dividida entre o Norte e o Sul no paralelo 38 +-. O conhecimento do que são as radiações e as alterações genéticas que provocam, são recentes, não existia em 1945! Nos anos 50, 10 anos depois, já se começava a perceber que a arma atómica era muito pior e muito mais terrível do que "apenas" uma bomba terrivelmente devastadora.
  • António Costa
    01 jun, 2016 Cacém 08:39
    As guerras não se começam! Quando se começam nunca se sabe como vão acabar. Nos anos 50, do Séc. XX, por exemplo, foram conduzidas tanto pelos EUA como pela então URSS, experiências secretas sobre os PRÓPRIOS soldados! As experiencias tiveram como resultado a impossibilidade da utilização da arma nuclear num terreno de batalha! Ambos os lados! Lembremo-nos que só no final dos anos 50 se descobriu o ADN e a Genética só a partir daí deu passos de gigante. A maioria das pessoas não faz qualquer ideia do que realmente se passou!