04 mai, 2016
Depois de muitos apertos de mão infrutíferos com o quarteto Rajoy, Rivera, Sánchez e Iglesias, Filipe VI rendeu-se à evidência e a Espanha vai novamente a eleições. Em Dezembro, o PP venceu, mas sem maioria. Falhadas as conversas para uma coligação, Rajoy ficou em governo de gestão e assim estará pelo menos até Julho. Quanto ao PSOE de Pedro Sánchez, desistiu de tentar realizar a quadratura do círculo, que seria garantir o apoio cruzado (e afinal impossível), do Ciudadanos e do Podemos.
Na Europa, um país à espera de governo não é um país ingovernável (veja-se, no passado, o caso da Bélgica). Mas convém não abusar. A Espanha não está de boa saúde financeira: o resgate aos bancos deixou mossa na classe média contribuinte, o desemprego é ainda enorme (e com ele a pobreza, visível nas ruas), e os indicadores de confiança são débeis, sabendo-se que quem vier a seguir terá de cortar 4 mil milhões € ao défice.
Explorando a crise política, institucional e até moral dos partidos tradicionais do centro (PP e PSOE, ambos afundados em pantanosas histórias de corrupção), os nacionalismos separatistas espreitam, inflamados pela esquerda radical, que os corteja sem talvez ter consciência de que um dia poderá ser vítima deles (é o caso das promessas do Podemos aos catalães mais anti madrilenos). E a campanha eleitoral que aí vem, depois de meses de expectativa e frustração, vai ser muito dura e recriminatória, num pano de fundo de enorme incerteza dentro e fora de casa (o referendo britânico ao «Brexit» vai acontecer dias antes de os espanhóis irem à urna).
Há dias, em Madrid, num seminário académico, perguntei a dois colegas espanhóis, um de Madrid, mais conservador, o outro de Barcelona, socialista, como viam a situação política.
O primeiro vaticinou que Rajoy, imóvel no seu posto, vai colher benefícios por via da transferência de votos do Ciudadanos para o PP. O segundo falou de dois cenários possíveis, do centro para a esquerda: ou o PSOE é ultrapassado pelo Podemos e Sánchez, empurrado pelos moderados do seu partido, aceita a até aqui improvável aliança com PP e Ciudadanos para um governo a três, ou uma momentânea perda de popularidade de Pablo Iglesias, conjugada com algum passo em falso ou reivindicação exagerada das autonomias, reforçam o PSOE, permitindo-lhe ser ele a formar governo e dispensando o tradicional inimigo (o PP), porque o Ciudadanos lhe chega e Albert Rivera ainda não exige outro mundo neste. Os dois colegas acham que, no fundo, é ainda prematuro falar do desaparecimento dos partidos tradicionais, mas não descartam a possibilidade de o próximo governo ser o primeiro de um tempo de “transición”, não de regime (porque a Espanha ainda se lembra do quanto a democracia lhe custou), mas de desenho e cultura do regime (porque a Constituição talvez precise de ser revista e porque a agenda social está de facto a mudar).
Em 2016 passa o 80.º aniversário do início da Guerra Civil de Espanha. E os meus dois interlocutores referiram-me um aspecto curioso: a forma como nas universidades, em alguma imprensa, no debate político e na opinião pública mais esclarecida 1936 tem servido de tema de conversa comparativa com a actualidade. Não se prevê, claro, nenhum “alzamiento” militar rebelde e protofascista; mas agora, como então, parece estar-se na génese de um tempo novo, e na classe política espanhola parecem faltar nomes com visão larga e talento conciliador. Nos termos do colega de Madrid, o ideal seria mesmo um Adolfo Suárez, actualizado para a agenda europeia e social de hoje. Mas políticos desses já não se fazem…