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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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​Péssimas notícias

01 abr, 2016 • Opinião de Graça Franco


Sem exportações e à falta de investimento nem sequer será o consumo privado a puxar pela economia. É mau demais para continuar a fingir que não se passa nada.

Há vida para além do défice. É verdade, mas esta constatação só serve para justificar uma ainda maior preocupação de Mário Centeno face às novas previsões económicas do Banco de Portugal (BP), do FMI e perante os novos indicadores divulgados pelo INE. Não é apenas o défice que pode derrapar, é todo o modelo de crescimento previsto que ameaça desabar.

Olhe-se para as previsões do BP: crescimento expectável este ano, 1,5 %. Isto acompanhado de uma previsão de investimento revista em baixa de 4,1 para 0,7%. Veja-se depois o FMI: crescimento ainda menor (1,4%). Aqui, o investimento ainda cresce a 3% (mesmo assim quase dois pontos abaixo da previsão do governo), mas o consumo privado só cresce 1,5% abaixo ainda da previsão da BP. Acabe-se com o INE que, mesmo descontada a sazonalidade, aponta para o desemprego a saltar duas décimas para 12,3% em Fevereiro. Como se isto não bastasse, nos primeiros dois meses são destruídos 20 mil empregos, acima do reforço do desemprego, e mostrando que o ciclo da emigração/ inactividade está para durar.

As notícias não são apenas más. São péssimas. Apesar de alguns sinais contraditórios: é também verdade que o clima económico que há cinco meses vinha a cair subiu agora em dois meses consecutivos, verificam-se sinais positivos no sector da construção e obras públicas e há perspectivas de melhoria no comércio e serviços. Mas é também patente a deterioração da confiança na indústria transformadora e a estagnação da confiança dos consumidores que vinha a subir há dois meses consecutivos. Neste caso basta esmiuçar as várias componentes do indicador para perceber que só não se registou uma queda devida a uma irónica confiança na melhoria do desemprego.

Tudo o mais se deteriorou: as expectativas sobre a economia do país, o optimismo sobre a evolução da situação do próprio agregado familiar e as perspectivas sobre a evolução da poupança (a recuperar nos três meses anteriores). Ora, a boa gestão das expectativas é uma das frágeis armas ao dispor do Governo para incentivar a retoma.

Mário Centeno não pode desvalorizar toda esta informação limitando-se a afirmar como fez esta sexta-feira, em comunicado em reacção à análise dos técnicos do FMI, na sua terceira avaliação pós-troika, que estes não levaram em conta os bons resultados da execução orçamental nos primeiros meses do ano e por isso exageraram quando apresentam como inevitável um plano B.

O problema, como ele muito bem sabe, não se esgota no défice. Crescer 1,4 em vez de 1,8% não basta para recuperar o emprego. Nem é preciso lembrar que o orçamento inicial levado a Bruxelas tinha por base uma retoma acima dos 2%, e regressou de Bélgica já amputado em pelo menos duas décimas. Essa meta não pode dar-se ao luxo de ficar ainda aquém.

Com a economia a crescer abaixo dos 2%, a criação de emprego arrisca-se a ser residual. Um crescimento de 1,5% (ou próximo, como concordam BP e FMI e a própria CE) significa que não há nenhuma aceleração da economia face ao ano passado. Não chega para alimentar a expectativa de um reforço das receitas fiscais, nem pela via dos impostos directos nem indirectos. Faz temer pelo défice, mas muito pior é não permitir virar a página da austeridade. Frustradas as expectativas não haverá segunda hipótese de retoma da confiança.

Os alertas do Banco de Portugal, cujo modelo de previsão Centeno conhece bem, são múltiplos e também vale a pena olhar no detalhe: não se trata só de uma revisão em baixa de duas décimas no crescimento geral, apontando agora para 1,5% e deixando os 1,7% inicialmente previstos já só ao alcance de 2017. O diabo está no detalhe do investimento. Sem ele não há retoma consistente. E a revisão da previsão é tão grande que não vale fazer vista grossa.

Em Dezembro o Banco de Portugal admitia já um ligeiro abrandamento: com o investimento a crescer 4,1% este ano e a só disparar para 6,1% no próximo. Agora, incluindo as medidas previstas no Orçamento, reduz-se a previsão para uns míseros 0,7% (muito abaixo dos 3,7% registados no ano passado). No próximo ano o crescimento será ainda de apenas 4,5%. Nada que permita recuperar a queda a pique dos últimos anos.

Porquê esta súbita estagnação do investimento? Aparentemente, a confiança não descola, mas na base do problema estará também uma taxa de poupança das famílias ao mais baixo nível de sempre (pouco acima dos 4%). Soma-se-lhe a descapitalização clássica da nossa economia, que César das Neves tão bem identificou no seu último artigo desta semana no “Diário de Notícias”. No mesmo dia, Trigo Pereira, deputado e membro do grupo de sábios que elaborou o programa de Governo alternativo, fazia no Observador um texto que era uma quase confissão de impotência face à tenaz de Bruxelas. Vale a pena ler.

Pior do que a constatação de Vítor Gaspar de que “não há dinheiro” é esta dura realidade de uma completa ausência de capital disponível, quer para garantir a solidez do sistema financeiro (estamos longe de estar a salvo de novos “Banifs”, como bem recorda a análise do FMI!) quer para garantir a solidez das empresas e, menos ainda, para lhes permitir apostar em novos negócios, nova maquinaria, mais inovação e internacionalização. Não há capital internamente nem confiança para o atrair do exterior.

Se a isto somarmos uma revisão em baixa da taxa de crescimento das exportações para este ano (de 3,3 para 2,2%, segundo o BP) percebemos que, mesmo sem deteriorar o défice externo fruto da preciosa ajuda da baixa do preço do petróleo, o novo motor do fraco crescimento fica agora estritamente dependente do consumo público. Esse que era suposto estagnar nuns míseros 0,3 e agora acelera para 1,1, segundo o modelo do BP bem mais sensível nesta matéria do que o do FMI. Resumindo: sem exportações e à falta de investimento nem sequer será o consumo privado a puxar pela economia. É mau demais para continuar a fingir que não se passa nada.

Comentários
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  • antonio pereira
    09 mai, 2016 torres novas 22:40
    Onde estava a senhora jornalista, quando o dr. Passos Coelho cortava reformas salários e por ultimo fazia acordos com colégios privados junto as escolas públicas com os contribuintes a pagar, já para não falar no irrevogável que deu largos milhões de prejuízo ao país como a senhora deve saber . Acredito que a sua análise esteja correta e credível mas tenho certas reservas. Acredito e tenho apreço pelos jornalistas que denunciem as situações independentemente de quem esteja no governo ainda os há mas não são muitos. Agora aqueles que nuns casos escondem as situações e noutras as publiquem não merecem a minha confiança. No meu caso devo dizer-lhe que não fui dos que contribuí para a solução governativa actual, mas que de certo modo me está a surpreender pela positiva. O povo tem que rever as politicas dos governos e decidir pela sua própria cabeça, senão o fizer será como no futebol onde as pessoas são fiéis aos clubes e isso na politica é mau e péssimo. Pessoalmente andei 30 anos a votar no mesmo partido mas nesta última mudei e mudarei sempre que entenda necessário.
  • Cândido Arouca
    05 abr, 2016 Aveiro 11:01
    Mais uma ao serviço da ditadura de Passos! Ganhe juízo senhora.
  • carlos pinto
    05 abr, 2016 porto 01:34
    O QUE ME IRRITA MAIS É O AR ALARVE COM QUE SE AFIRMA A MUDANÇA PARA MELHOR.
  • Sacudir o Caos
    03 abr, 2016 V. F. Xira 14:48
    “Sem exportações” (os suinocultores que o digam!) “e à falta de investimento” (estrangeiro?) Não admira: os vendilhões, Passos e Portas só não venderam o Mosteiro dos Jerónimos, o panteão Nacional, os despojos de D. Afonso Henriques e o original de “Os Lusíadas, porque não tiveram tempo. A autora do texto não tem muita razão para se afligir com as “péssimas notícias” que lhe chegam, pois como diz o bom português, poderia ser bem pior caso os anteriores governantes estivessem no poder: Nem o mais simbólico Santuário de Portugal escaparia à fúria do desbarato. A unidade com que trabalho é o metro (dá para entender que a minha profissão é mesmo de pouca importância) e daí quando vejo um texto carregado de números "sarapintados" vejo logo que aquilo está direcionado para os distintos economistas portugueses a quem devemos o estado notável em que o país se encontra. Para terminar: Compreendo que alguém recorra a Vítor Gaspar ou Trigo Pereira para sustentar uma ideia, mas nunca entenderei recurso a personagem obtusa que para além de confundir com as suas fanfarronices alguns crentes da religião Católica é motivo de chacota entre profissionais da sua área.
  • Rogerio Pires
    03 abr, 2016 VIla Nova de Gaia 12:43
    Li o seu artigo que não me surpreende só na medida em que me mantenho atento aos indicadores, o que me surpreende é de facto tão poucos jornalistas terem a coragem de dizer que o rei vai nu e continuarem a encobrir a real situação que era mais que previsivel dada a receita e os que a aplicam serem exatamente os mesmos de 2009 provocaram o desastre que foi e que nos levou aos cortes de ordenados e pensões em 2010 e finalmente ao resgate em 2011. Não concordo contudo quando se refere aos combustiveis pois esses não param de subir tendo já só em 2016 mais de 20% de acréscimo e sabendo-se que alguns países da OPEP estimam que chegue aos $70 o preço do barril em Jan 2017. Só temos uma solução e terá que não demorar muito a aplicar é correr com os que nos levaram à quase bancarrota e 3º resgate pondo fim a esta bebedeira coletiva por que estamos a passar dar a voz ao povo agora ficando claro que a escolha será entre dois blocos um do PSD/CDS e outro do PS/BE/PCP/PEV e assim defitivamente clarificar a situação.
  • joao
    03 abr, 2016 lisboa 07:17
    Muitos culpam Passos Coelho pelas dificuldades que passaram . Esperavam em 2011 , depois do PS ter levado o país á bancarrota, que bastava trocar de primeiro-ministro e estava tudo resolvido. Pode ser que quando lá voltarmos brevemente abram os olhos...
  • Alberto
    02 abr, 2016 Cascais 22:03
    Porque é que esta sra. não vai para ministro das Finanças?Isto de falar destas coisas com esta autoridade tem que se lhe diga. Quem fala assim não é gaga, não é lady?
  • Amós
    02 abr, 2016 Belém de Judá 21:36
    O dr Pedro Passos Coelho retirou o País da banca rota e pôs - o a crescer. Claro, sem sacrifícios não há nada . Pedro P. C. . fez um bom trabalho . Infelizmente, quem pratica o bem é criticado e hostilizado. Quem pratica o mal é elogiado e apoiado. Até os escribas e príncipes dos sacerdotes deste tempo o criticaram e repudiaram . O País está a caminhar para a quarta banca rotas. Só um cego é que não vê. Os escribas e príncipes dos sacerdotes deste tempo permanecem calados. O demónio anestesiou - os. Será que quando o País estiver falido pelo quarta vez, pelas mesmas escórias humanas, eles irão dizer algo? Jesus Cristo recomendou a Pedro para apascentar o seu rebanho. Será que eles saberão o significado da palavras : " apascentar" ? Dr Graça Franco: ensine - os, por favor. Se eles recusarem os seus ensinamento, faça como Cristo fez, chame - lhe : " cegos a conduzir cegos ". Aos que dizem que a Doutora é do PPD, por defender a verdade, diga - lhes: Quereis ser livres e não escravos? Orai, trabalhai , produzi e poupai. Boa noite e um Santo Domingo.
  • António Menino
    02 abr, 2016 Oeiras 19:21
    "Ora, a boa gestão das expectativas é uma das frágeis armas ao dispor do Governo para incentivar a retoma. " Mas a Graça Franco quase em delírio, desarma a começar pelo título. Por isso, o melhor é arranjar um banco, de 4 patas ou uma esteira e esperar sentados. Porque o resto não vai funcionar....
  • Tamel
    02 abr, 2016 Montreal 19:10
    Portugal pode sair da EU mas devolve o dinheiro recebido, out a EU e so boa para dar dinheiro facil!