03 fev, 2016
A discussão técnica de uma esboço de orçamento de Estado com a Comissão Europeia transformou-se, nos últimos dias, em Portugal, numa ‘enorme crise’ com contornos imprevisíveis e até já com custos reais pelo simples facto de estar em curso. Esta tem sido a narrativa favorita da maioria dos média nacionais - hoje há até um jornal que nos sugere graficamente a noção do ‘braço de ferro’ - mas valeria a pena perguntar se é a única possível e, sobretudo, se é a mais honesta e transparente no cumprimento do vínculo de serviço à comunidade que o Jornalismo estabelece com todos nós.
Tivemos os primeiros sinais dessa postura, desde logo, na forma como nos foi apresentado o esboço de orçamento que o governo entregou em Bruxelas - ‘um documento em bruto’, ‘ainda cheio de imprecisões’ - deixando de lado o pequeno detalhe de ser esse o procedimento habitual e normal (a CE não pode, nesta fase, pronunciar-se sobre o OE nem tem qualquer poder para obrigar um país membro a alterar um OE). Vimos isso, também, quando os média se prestaram a ser correia de transmissão dos ‘rumores’ (off the record) sobre a insatisfação da Comissão Europeia, quando deram grande eco à subsequente ‘inquietação’ das agências de rating e quando, finalmente, deram corpo à ‘fuga de informação’ que tornou público um documento comparativo crítico da Comissão.
Todos estes acontecimentos decorrem de uma estratégia negocial de fragilização de uma das partes - bem conhecida de todos os estudantes e profissionais do Jornalismo - e se não podemos questionar a sua legitimidade (nem mesmo a sua apropriação por parte de forças políticas que apresentam ideias contrárias às do governo em funções) podemos, em todo o caso, questionar o posicionamento absolutamente acrítico da generalidade dos média nacionais. Não sendo nova - todos nos lembramos do tom geral de apoio à mensagem ‘a culpa foi nossa porque andámos a gastar demais’ na sequência da crise de 2008 e do orçamento com o ‘brutal aumento de impostos’ de Vítor Gaspar - esta postura agachada faz de algum jornalismo uma atividade mais próxima da das claques nos recintos desportivos; ganha-se, talvez, na sensação de entusiasmo mas perde-se, e muito, na vital necessidade de enquadramento para uma situação complexa com a ajuda de vários e diferenciados olhares.