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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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Os Campos de Batalha

24 nov, 2015 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Presidentes e presidentes dizem-nos que é agora que vão acabar com isto.

Colados à TV. As imagens mostram em directo que o mundo que conhecíamos antes do 9/11 acabou. O terror cíclico da história violenta-nos no pacífico conforto da classe média, já anteriormente ameaçado pelas oscilações da bolsa e por todas aquelas misteriosas variáveis económicas manobradas à sombra das sociedades protegidas pelo anonimato. Será isto uma oportunidade para mudar?

O movimento natural de proteção alegra-se com a nossa marginalidade geográfica e a falta de peso no teatro internacional. Mas a jangada de pedra não navega em direcção ao largo, há drones por todo o lado, são a mais cool oferta de Natal. A França corajosa está de volta. A jovem Mãe chora devagarinho, acaricia a face da pequenita frente às flores do bairro sossegado atingido no coração pelo Mal. Uma outra menina segura a chucha na boquita e estende a mão para oferecer uma vela. O sol brilha sobre a morte, «em nome de quê?», alguém escreveu. Um flash de ternura e de mansidão ampara a cidade magoada, uma sobrevivente experimentada e luminosa. Enquanto houver flores estaremos protegidos.

France 24, emissão contínua sobre os atentados, Nicolas Hénin responde por Skype, explicando que para os terroristas não é pela perturbação da vida - de um modo de vida? - que se mede o sucesso dos assassinatos, mas pelas forçadas e subsequentes ondas de choque. No 11 de setembro, analisa, o triunfo dos assassinos não foi a queda das Torres Gémeas, mas a ulterior invasão do Afeganistão e do Iraque, criando condições para o nascimento do Daesh. Horas antes do bombardeio da Síria, ordenado por Hollande em cima dos acontecimentos, defende que a solução deve ser política e que a Síria e o Iraque necessitam de esperança e de segurança, uma saída para uma Crise que tem a dimensão medonha dos países destruídos. Com uma média de duzentos mortos por dia, como acontece na Síria, "desinteressaram-se da segurança dos outros". Neste contexto, olho por olho, ferida por ferida, morto por morto, parece-lhes uma teologia legítima para matar na proximidade com aquela metódica frieza.

Agora são os velhos monges que se inclinam com elegância e respeito. Rezam em ecrã aberto, enquanto uma janela mostra, repetidamente, como se fossem aos milhares, a excelente tecnologia dos caças em voo. Uma parte turva do nosso coração descola com eles, como é difícil fugir ao desejo de vingança. Mesmo assim, não podemos deixar de perguntar pelo circuito do petróleo roubado, das armas que alguém fabrica e vende, das obras de arte furtadas em direção a um museu secreto, das rotas da droga. Há também a Darknet e o dinheiro, certamente não está todo debaixo do colchão, nos campos de treino. E o treino profissional, sem esquecer uma certa compreensão sobre quem nós somos e de como gostamos de viver. Quem são esses mercenários, talvez educados nas nossas belas universidades e sofisticadas academias?

Presidentes e presidentes dizem-nos que é agora que vão acabar com isto. Putin, enviando fogo sobre os acampamentos, convida-nos a esquecer que ainda há um ano estava a invadir a Ucrânia. Temos de ouvir as crianças para perceber o que viram e sentiram, para as ajudar a recuperar a paz. Mas é difícil considerar com seriedade todas estas promessas discursadas, escritas com a métrica dos especialistas em comunicação. No entanto, antes de fazer off ainda escuto Isabela Kumar, numa Global conversation que questiona o Rei Abdullah. Sua Majestade não evita referir o preconceito que separa o ocidente do oriente, insiste numa solução política para a Síria, usa palavras contundentes para descrever o que não fizeram os seus supostos aliados para ajudar a Jordânia a suportar a crise dos refugiados. Isto é a Terceira Guerra Mundial, diz, repetindo o que afirmou a 28 de setembro último na ONU: um futuro mais pacífico está sob ameaça por khawarej, os "foras da lei do Islã", que operam globalmente, tendo como alvo as diferentes religiões e na esperança de matar a cooperação e a compaixão entre as pessoas de todas as fés através da desconfiança e da ignorância. Que mundo será este se essas forças não forem derrotadas, se um futuro em que o assassinato em massa, as decapitações públicas, o sequestro e a escravidão forem a prática comum. "Mas não se enganem: a guerra mais importante é aquela que é travada em campos de batalha do coração, alma e mente", diz o hachemita descente de Maomé, filho de mãe inglesa, educado em Sandhurst.

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