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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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A mania da perseguição

13 out, 2015 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Não esqueço os inúmeros episódios confusos, os monumentais danos colaterais e as dramáticas vidas irrecuperáveis, mas foi bom poder viver uma legislatura sem que a divergência implicasse a necessidade de olhar sobre o ombro.

Há quatro anos, tal como escrevi nestas páginas, senti a realização das eleições legislativas como se uma chuva de primavera tivesse caído sobre o país, lavando os traços de sujidade que conspurcavam a arena política e as nuvens escuras que se abatiam sobre o debate político. Como a maioria dos portugueses, ainda não fazia ideia do que aí viria em termos de necessidades de higienização do Estado e da banca, mas uma temporada substancial do consulado de Sócrates ficou marcada pela irritação que provocavam nas mais altas instâncias as divergências de opinião política ou procedimental. Um pouco por toda a administração pública, e talvez por outras bandas, julgo que não foram poucos os que experimentaram na pele a desagradável impressão de estar a incomodar os mentores da verdade do momento e é possível que já não nos lembremos bem de algumas mordidelas esparsas, aqui e ali, nos menos crentes na bondade das decisões.

Durante os quatro anos do governo da coligação tive imensas ocasiões para discordar, mais ou menos indignadamente, da benignidade e da oportunidade de um sem-fim de medidas e, até, da orientação mais global das políticas do governo, frequentemente colidentes com os princípios da Doutrina Social da Igreja que me são caros. Mas quando agora votámos, sob uma intensa chuva outonal que, de resto, continua a alagar o país, não foi pensando em pântanos nem outras formas de conspurcação. Não esqueço os inúmeros episódios confusos, os monumentais danos colaterais e as dramáticas vidas irrecuperáveis, mas foi bom poder viver uma legislatura sem que a divergência implicasse a necessidade de olhar sobre o ombro.

Com esta nota não pretendo premiar nem consolar os membros da coligação, a braços com uma extraordinária vitória curta, difícil de conjugar com os mercados, a viabilização do crescimento económico e o derradeiro adeus ao sonoro vazio presidencial. Mas, como muitos portugueses, preciso de acreditar que António Costa é capaz de compreender que o Bem do País é o mesmo bem do Partido Socialista, embora com o risco de um certo desfasamento temporal. Sob esse ponto de vista, a Fonte Luminosa de Sousa Pinto recolocou o debate nacional no sítio certo. O país precisa de ser governado com honesta humildade no complexo marco das suas responsabilidades globais - da liçãozinha sabida de Cavaco não nos podemos queixar - para as quais as "podemizações" populistas da esquerda protesto e a nova maleabilidade do empedernido credo comunista são um risco identificado. Pode, pois, o Partido Socialista resistir a des-soarizar-se ao ponto de ignorar a dívida pela qual os portugueses perdoamos quase tudo ao seu fundador?

Fritz Oser, um discípulo de Karl Jaspers que se dedicou ao estudo do desenvolvimento moral, escreveu: “Uma das superstições científicas mais antigas é a noção de que a moralidade inibe a eficiência... mas a investigação sobre a gestão mostrou que o sucesso, de facto, depende do chamado 'sistema de valores' vivido. Eficiência e responsabilidade são complementares.” Espero que António Costa escolha o que é certo em detrimento da esperteza politiqueira. Essa também será a salvação do PS, mesmo que um outro líder venha a recolher os frutos. Mas se, para um dirigente, uma legislatura é um "vou ali e já volto", para um país fragilizado pode significar o regresso às cavernas da insolvência e outras coisas assim de giras e confortáveis.

Comentários
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  • Anti autoritarismo
    14 out, 2015 Ilhas Caimão 07:45
    Ai tiazinha como defende os seus sobrinhos apesar de se terem portado tão mal. Mas a vida é assim o sangue fala mais alto.
  • Vitor Durão
    13 out, 2015 Barreiro 23:31
    PSD/CDS_2.000.000 votos no outono (menos 800,000 votos q na primavera) PS_1.700.000 votos BE+PCP_1.000.000 votos é só fazer contas_vivemos numa democracia parlamentar_é aí que se fazem e desfazem governos e não é preciso ofender
  • micas
    13 out, 2015 aveiro 20:44
    ta-se a ver k não prestas até na forma odiosa como escreves
  • Ecolima
    13 out, 2015 Guimarães 19:14
    No dia 04 de Outubro de 2015, entre dois males escolhi o menor . A Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Votei para não viver numa republica de bananas. Ponto final. Parágrafo
  • Joaquim
    13 out, 2015 Oeiras 18:24
    "Um pouco por toda a administração pública, e talvez por outras bandas, julgo que não foram poucos os que experimentaram na pele a desagradável impressão de estar a incomodar os mentores da verdade do momento" . Isto diz a autora acerca do ambiente no consulado de Socrates. Só percebo que se refere a esse governo porque o diz, porque se não o referisse, ou noutro contexto, poderia pensar que se estava a referir às listas Vip. Por exemplo...
  • Joaquim
    13 out, 2015 Oeiras 18:13
    Oh Tia, já viu estes esquerdistas com mais de 50% dos votos a quererem governar ?! Que horroreeeee!
  • Fernando Figueiredo
    13 out, 2015 Mindelo 18:00
    A cronista, parece-me bem preparada e, pelo menos, honesta na "sua" análise. E ainda bem que fala de ética! Temos o exemplo de um dirigente do PSD que chegou a primeiro-ministro, com todas as faltas de ética, como não se lembrar das dívidas à Seg. Social, dos valores recebidos e não mencionados na Declaração de IRS, do concurso para formar os sinaleirs para os aeroportos (???), de todas e são muitas e graves promessas que fez em 2011 e não cumpriu, do vice que para além de ser um ovo kinder (lembra-se de quem lhe aplicou o título??), do Jornal Independente que tanto e tão bem tratou o Presidente da República e outros, das linhas vermelhas que não ultrapassaria (mas ultrapassou, embora com os custos que se verificaram na subida das taxas de juros - e ninguém se importou com isso nem os "jornalistas" lembraram isso). Enfim, estes são os principais responsáveis deste País, que toda a direita entrou em pánico, porque o Dr. Costa está tentar formar um Governo totalmente legítimo perante a nossa Constituição, que respeitámos e que aqueles senhores tanto afrontaram. Isto para não falar do dr? Relvas, braço direito do impagavél mentiroso passo, do ministro Macedo constituído arguido, mas não preso preventivamente como deveria ser, enfim estes "jornalistas (bonito exemplo o do "escritor" rodrigues dos santos e do seu "lapso"). Enfim: Ética que deveremos ter e não temos. Continuação de um bom dia.
  • Manuel Lourenco
    13 out, 2015 Unhais da serra 17:35
    A reminiscência de "Deus, Pátria, Família". A discordância de que fala não é, por acaso, não ter sido levado em frente a baixa da TSU do patronato?
  • Sérgio
    13 out, 2015 Porto 16:57
    Só me pergunto porque me levantei numa manhã de domingo chuvoso para ir votar se o meu voto nada vale? Quem perde governa porque a esquerda assim o quer. Não vale a pena perder o meu tempo e deixar estes senhores que procuram TACHOS fazerem o que querem sem que nada lhes aconteça. Eu não votarei mais se o Sr. António Costa como derrotado destas eleições constituir governo, não admito que o meu voto e tempo seja deitado ao lixo.
  • Makiavel
    13 out, 2015 Cascais 16:13
    Não me identificando com a posição política subliminar da autora, só posso dizer que é uma opinião extremamente equilibrada, longe dos anúncios do fim dos tempos e outros armagedões que por aí pululam. Entre a quebra do paradigma dos partidos do arco da governação através da aproximação do centro-esquerda à esquerda e a cedência do eleitorado de centro-esquerda à esquerda de protesto, como preço a pagar pela continuação desse paradigma, não tenho dúvida acerca de qual a via mais saudável. A política não acabou e, mais que isso, deixará de ser conduzida pela visão do economistas.