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Ilusões que saem caro

09 abr, 2015 • Graça Franco • Opinião de Graça Franco


Dizem os "analistas" que Portugal será o próximo país a conseguir esta benesse, com os credores teoricamente dispostos a "pagar" para nos emprestarem dinheiro em prazos até seis meses. São finalmente boas notícias? Não. São péssimas.

A Espanha conseguiu endividar-se esta semana a taxas negativas, ainda que em prazos muito curtos. Dizem os "analistas" que Portugal será o próximo país a conseguir esta benesse, com os credores teoricamente dispostos a "pagar" para nos emprestarem dinheiro em prazos até seis meses.

São finalmente boas notícias? Não. São péssimas. Em economia pior do que as desilusões são as ilusões. As primeiras pagam-se caro porque destroem a confiança, mas as últimas pagam-se caríssimas porque nos impedem de corrigir os erros enquanto ainda vamos a tempo.

Faz algum sentido emprestar a juros negativos? Não. Mas se estivermos a falar da Alemanha e fizermos um esforço para compreender alguns absurdos do chamado funcionamento dos mercados poderemos até entender que isso possa excepcionalmente acontecer.

A economia alemã é suficientemente sólida para poder funcionar como uma espécie de refúgio seguro, em períodos de excesso de liquidez, em que as alternativas de aplicação escasseiam. Sobretudo os grandes fundos continuam a precisar de aplicar excedentes e diversificar aplicações. Além disso, embora as taxas sejam formalmente negativas, os títulos podem ser sempre negociados com mais-valias no curtíssimo prazo, antes mesmo de chegado data da amortização - ou seja em rigor os investidores só teoricamente "pagam" para emprestar.

E em países como Espanha, como já aconteceu esta semana, fará ainda algum sentido? Nenhum, porque a economia está a braços com desequilíbrios estruturais graves e o risco associado à respectiva divida, ainda é muito grande.

E em Portugal? Aqui faz ainda menos sentido. Um país com 130% do PIB de dívida e défice acima de 4%, com rating de "lixo", não pode obviamente equiparar-se em termos de juros a países como a Alemanha ou os Estados Unidos.

Então porque é que os mercados estão dispostos a dar-nos essa "benesse" imerecida? Simplesmente porque estão já em plena bolha especulativa. Ou seja, porque se estão a movimentar pela lógica especulativa do muitíssimo curto prazo, caracterizada por "investimentos" que deixam de estar sujeitos a uma lógica racional de avaliação de risco. Esta bolha só nos parece um bocadinho menos grave do que a espiral de juros anterior, que nos colocou em poucas semanas à beira da bancarrota, porque desta vez os juros afundam em vez de subir.

E é forçoso que a onda se inverta? É. Só não se sabe exactamente quando. O estrondo só não será grande se os reguladores (com destaque para o Banco Central Europeu, grandes bancos centrais e Reserva Federal) tiverem capacidade para ir agindo, desde já, de forma "preventiva" permitindo que a retoma dos juros se faça de forma controlada e gradual até estabilizar a níveis desejavelmente baixos mas razoáveis.

Ou seja, a bolha não tem que estoirar com estrondo, sobretudo se os conselhos do FMI no seu relatório de quarta-feira quanto à necessidade de "supervisão acrescida" sobre os grandes fundos de investimento a operar nos mercados globais forem devidamente tidos em conta.

Vale a pena atentar no recado do Fundo, como também vale a pena reler o seu texto em matéria de doutrina sobre como utilizar a política orçamental para atenuar os custos da recessão económica. Para países como os da zona euro, em que não há possibilidade de usar uma política monetária própria, o recurso à política orçamental torna-se ainda mais decisiva e o Fundo é claro ao reafirmar ser importante deixar funcionar os chamados estabilizadores automáticos (receita fiscal e gastos associados às prestações sociais designadamente prestações de desemprego) como forma de atenuar os custos da recessão.

Há alguma ironia em ver a assinatura de Vítor Gaspar por baixo desta recomendação, quando Portugal foi um bom exemplo de bloqueio político à acção destes estabilizadores. Não só a queda da receita fiscal acabou travada por efeito do brutal aumento de impostos como níveis de desemprego recorde coexistiram com enormes "poupanças" resultantes de cortes nas prestações sociais correspondentes.

Valha a verdade que a carta de demissão do ministro mostrava já em Julho de 2013 que estava consciente da necessidade de se entrar " numa nova fase do ajustamento", que já aí designava como "fase do investimento". Pena que ninguém lhe tenha dado ouvidos e se tenha deixado o investimento cair a pique ainda mais (mais de 30% em pouco mais de dois anos) de forma a limitar hoje o nosso produto potencial, isto é, a nossa capacidade de retomar o crescimento.
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