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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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O futuro de Espanha

09 jun, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A hipótese de um Estado federal em Espanha não será fácil de concretizar. Mas talvez seja a melhor maneira de manter a unidade do Estado espanhol.

O novo governo espanhol, presidido por Pedro Sanchez, é minoritário nas Cortes de Madrid. Conta apenas com um quarto dos deputados, ou seja, com os deputados socialistas. Nenhum elemento dos mais de dez partidos que apoiaram a vitoriosa moção de censura de Sanchez ao governo de Rajoy integra o novo executivo. Iglesias, o líder do Podemos, já se queixou da falta de gratidão de Sanchez (Iglesias queria um lugar no novo governo). Em Espanha, diferentemente de Portugal, uma moção de censura aprovada no Parlamento (as Cortes) leva diretamente à chefia do governo o líder do partido que propôs essa moção. É o que se chama a moção de censura construtiva.

Especulou-se que o novo primeiro-ministro de Espanha iria aproximar-se dos partidos independentistas que apoiaram a sua moção. O que seria contraditório com a posição que o PSOE e o próprio Sanchez sempre tomaram: defender a unidade do Estado espanhol. Mas as indicações que o novo governo já deu, desde logo a sua própria composição, vão no sentido de que essa posição se mantém inalterada. O líder do PSOE considera que este é um executivo que promove a igualdade entre os géneros, tem pessoas de várias gerações e é “aberto ao mundo, mas ancorado na União Europeia”.

Em contrapartida, não é provável que um governo tão minoritário se aguente durante muito tempo. E, sobretudo, que tenha condições para lançar um diálogo constitucional eficaz com as outras forças políticas, de forma a ultrapassar o problema da Catalunha, sem ceder ao separatismo. Será tarefa para um governo seguinte, legitimado em eleições.

Em Espanha existem 50 províncias (unidades de descentralização administrativa) e 17 comunidades politicamente autónomas; estas últimas têm parlamento e governo próprios, como em Portugal acontece com as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Várias dessas comunidades podem considerar-se nações, até porque têm língua diferente do castelhano.

É o caso, por exemplo, da Galiza, cuja população por vezes se sente mais próxima, não apenas territorialmente, de Portugal do que do resto de Espanha. Embora existam forças separatistas galegas, o nacionalismo é minoritário na Galiza. Vários políticos galegos participaram ativamente na gestão do Estado central espanhol, por exemplo Franco, Fraga Iribarne, Rajoy…

A ditadura do general Franco combateu as autonomias e as suas culturas específicas. Proibiu, entre outras, a língua basca, assim como a catalã – não podiam ser ensinadas nem utilizadas. O resultado foi o terrorismo da ETA, agora finalmente terminado, e o surto independentista a que assistimos na Catalunha (sendo que a maioria da população ali residente não apoia uma república catalã independente de Espanha). Franco, como mais tarde Rajoy, recusava que a Espanha fosse plurinacional – mas é.

Autonomias e federação

A saída para o impasse na Catalunha parece apontar para uma solução federal. Nada do outro mundo: veja-se a República Federal Alemã. Ou a Suíça, oficialmente Confederação Suíça, mas realmente uma república federal composta por 26 cantões, com a cidade de Berna como sede das autoridades federais. No Reino Unido existem parlamentos e governos autónomos na Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte – a Inglaterra queixa-se de não ter um parlamento próprio, já que a Câmara dos Comuns representa todo o país.

Nos Estados Unidos a guerra da independência contra o poder colonial britânico foi conduzida por 13 Estados; nessa altura foi largamente debatida a opção por uma mera confederação de Estados, ou por uma federação dotada de um poder central forte. A mortífera guerra civil de 1861-1865, geralmente associada ao problema da escravatura, foi ganha pelos partidários da federação contra os confederados esclavagistas do Sul. Ainda hoje nos EUA se discute, na prática, a repartição de poderes entre o centro, o distrito federal de Washington, e os Estados, que agora são 50.

Qual seria a diferença entre o atual sistema espanhol das autonomias e um Estado federal? O prof. Vital Moreira esclareceu essa questão no seu blogue. Primeira diferença: no atual sistema espanhol, como aliás, também no português, o estatuto das autonomias é aprovado no Parlamento nacional; num Estado federal cada Estado federado, embora tenha que respeitar a constituição federal (que abrange por igual todo o país), aprova a sua própria constituição. Depois, a nível federal terá de haver duas câmaras, sendo a segunda destinada exclusivamente à representação dos Estados federados (é o que acontece na Câmara dos Representantes nos EUA, por exemplo). Por último, a regra federal é que as competências não atribuídas à federação cabem às unidades federadas; na presente constituição espanhola dá-se o inverso: as competências não atribuídas às autonomias ficam a pertencer ao poder central. Note-se, ainda, que num Estado federal não são admitidos abandonos por parte de qualquer Estado federado – o que, obviamente, vai contra o independentismo catalão e basco.

Opinião pública

Ou seja, na prática, um Estado federal em Espanha representaria um pouco mais de poderes autonómicos, mas nada de extraordinário. Só que em Espanha, fora da Catalunha, do País Basco e de mais alguns núcleos independentistas, a esmagadora maioria da opinião pública não gosta que sejam dados mais poderes às autonomias. Talvez seja um efeito do terrorismo da ETA, que assassinou perto de mil pessoas e assim deu uma péssima imagem às reivindicações autonómicas. Por isso gerir em Espanha um diálogo sobre um eventual Estado federal apenas estará ao alcance de um governo com uma muito maior legitimidade eleitoral do que o executivo de Pedro Sanchez.

Como português, julgo que fragmentação do Estado espanhol seria negativa para o nosso interesse nacional, do ponto de vista económico e político. Daí que me atraia a hipótese de uma federalização desse Estado.

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