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​Stop eutanásia. PC e Marcelo são últimos recursos

24 mai, 2018 • Opinião de Graça Franco


Podem os atuais deputados representar os eleitores numa matéria desta gravidade, mas de que não falaram na última campanha eleitoral, (exceção feita ao PAN que incluiu o assunto no seu programa eleitoral)? Poder podem. Vão fazê-lo já na próxima terça feira. E devem?

O PCP disse “não” à eutanásia e aproveitou a ocasião para dizer “sim” a todo o tipo de reforços no investimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de forma a aumentar a aposta nos cuidados de fim de vida.

Mostrou-se favorável desde a criação de uma rede nacional e efetiva de cuidados paliativos (incluindo domiciliários) ao direito de todos os doentes à recusa de tratamentos inúteis em defesa da boa prática médica.

Ao mesmo tempo, a sociedade pluripartidária fazia-se ouvir nas escadarias de S. Bento erguendo os cartazes do “Stop Eutanásia”. Eram escassas centenas, mas outros milhões faziam-se representar junto de Marcelo Rebelo de Sousa pela voz dos líderes de oito religiões, existentes em Portugal. Talvez da soma destes sinais o Presidente da República possa concluir pelo desconforto da sociedade perante a nova lei. Se ela passar dia 29 no Parlamento só mesmo Marcelo a poderá travar.

António Costa, há um ano, já com este debate em curso, dizia à Renascença que não daria a sua opinião pessoal sobre a eutanásia porque ainda não tinha decidido sobre a matéria: sabia que “nunca votaria contra”, mas ainda não sabia “se votaria a favor”.

Ontem, perante a tripla insistência do CDS voltou a não querer revelar o seu sentido de voto: “para não se imiscuir enquanto chefe do Governo no processo legislativo em curso”. Entre o povo quantos não saberão também qual o voto que gostariam de delegar nos seus 230 representantes. Quantos saberão sequer que eles irão em seu nome votar uma questão de “vida ou de morte” emitindo para a sociedade um sinal que o PCP considera de “retrocesso civilizacional” ao inscrever na lei o novo “direito a matar-se”.

A primeira questão que se levanta é mesmo essa: podem os atuais deputados representar os eleitores numa matéria desta gravidade, mas de que não falaram na última campanha eleitoral, (exceção feita ao PAN que incluiu o assunto no seu programa eleitoral)? Poder podem. Vão fazê-lo já na próxima terça feira. E devem?

A questão complica-se porque se é verdade que foi formalmente desencadeado de norte a sul do país um “amplo debate” como o classificou o próprio Presidente, vale a pena pensar se a amplitude se mede mais pelo número de participantes ou pelo número de iniciativas. As iniciativas foram “muitas”. Os esclarecidos ridiculamente poucos.

Nas conversas de café os conceitos continuam a confundir-se e o efeito do debate é nulo. Há quem seja “pró-eutanásia” quando apenas pretende pôr cobro ao prolongamento inútil da vida em sofrimento. A isso não se chama eutanásia, mas rejeição do encarniçamento terapêutico. O mesmo que viola a boa prática médica e contra a qual genericamente está toda a gente. Para acabar com essa “distanásia (como cientificamente se chama) não é precisa mais nenhuma lei. Apenas que se cumpra a vontade do doente e se aplique a deontologia médica.

Então que falta? Para o BE, o PAN e os Verdes falta mais uma vez entrar na linha da frente do progressismo legislativo. Só existe eutanásia em meia dúzia de países? Estejamos com urgência entre essa meia dúzia. Mesmo que os números demonstrem que entre esses países cresceu a pressão social para antecipar a morte a velhos sós e deprimidos, adolescentes com sequelas psiquiátricas, crianças que nasceram com uma má formação inesperada e se constate que o reduzido número que se previa atingir há muito saiu de controle (ano a ano são cada vez mais o número dos abrangidos pela lei, ultrapassando já na Bélgica os 8 mil mortos).

Por cá, mais de 15 anos passados do início da experiência holandesa de má memória, continuamos ingenuamente a acreditar que seremos os únicos a impedir abusos e a sonhar com a excecionalidade dos casos como os narrados por Almodôvar no seu Mar Adentro, numa retorica emotivo-casuística por mais que a experiência nos demonstre que o mais natural é que a má experiência dos outros (Holanda Bélgica…) se venha a replicar também aqui.

Ninguém defende o eugenismo. Todos somos contra a deriva economicista que poupa na saúde dos velhos desde que estes possam determinar com dia e hora e ajuda de um médico o momento da despedida da família e da sua própria morte.

Sabemos que as famílias os abandonam vezes demais, mas não acreditamos que possam sequer recordar que se transformaram num peso para elas e para a própria sociedade. Acreditamos piamente que isso não vai ocorrer por cá somando a todas as formas de violência de que os sabemos vitimas mais esta. Parafraseando o poeta bem recusamo-nos a admitir que essa nova violência venha agora a ser legitimada de forma: “tão sábia, tão subtil e tão expedita, que não pode sequer ser bem descrita!”

Na próxima terça-feira, dependendo dos humores da bancada do PSD (onde a liberdade de voto e as entrevistas de Rio fazem temer o pior da votação nominal) e do PS (onde os contra terão ainda maior dificuldade de levantar a voz) a lei muito provavelmente passará. Será mais uma vitória a averbar pelo Bloco que, em próximas eleições, terá assim mais uma nova bandeira a levantar em matéria de revolução nos “costumes”. PCP e CDS de forma inesperada estarão por uma vez do mesmo lado da barricada entre os defensores da vida e de uma morte “digna” sem dia e hora marcada. Ambos a lutar pelo inevitável e natural agravamento do défice da saúde.

À histórica aliança entre religiões (todas em defesa da vida sejam judeus, católicos, muçulmanos, hindus, ortodoxos, evangélicos ou adventistas), soma-se a voz avisada de múltiplos ateus (como Germano de Sousa, um dos cinco ex-bastonários da Ordem dos Médicos que subscreveram o manifesto contra a nova lei e em defesa do atual código deontológico da classe). Talvez tudo somado permita a Marcelo medir o pulso à sociedade percebendo nesta a repulsa mais ou menos generalizada em dar um passo atrás na defesa de um valor constitucional tão básico e fundamental como é “o direito à vida”. O PCP não exclui o recurso à travagem no Constitucional, mas se esta não resultar só Marcelo a poderá parar com um veto politico de último recurso. Este, mesmo ultrapassável, sê-lo-á muito mais dificilmente exigindo então nova maioria, mas já absoluta.

Comentários
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  • Maria
    28 mai, 2018 Alvarães 22:59
    Sou contra a eutanásia e com os médicos que honram a sua profissão e juramento... estou perplexa com o que Rio e outros dizem, aliás, vai revelando o que lhe povoa a cabeça ... espero milagre de bom senso e consciência na votação tal é a confusão de valores em tantos e recordo o livro que li quando estudava intitulado : Eclipse da Razão " , que é bem o que vemos na atualidade em governantes e povo com honrosas excepções que são a esperança de autonomia de pensamento e salvaguarda dos valores. A clivagem está aí! A cultura de morte e o ídolo Mamon que não quer gastar com o SNS mas as fugas de milhões acontecem... O Parlamento não tem autoridade para legislar nesta matéria contra a Constituição. São os mais frágeis que estão em cheque. Quem os salvará?
  • MASQUEGRACINHA
    26 mai, 2018 TERRADOMEIO 17:28
    A moderação de comentários da RR é, definitivamente, bizarra: nem publicam quem discorda, nem quem concorda. No meu caso, até concordei - só que não pelas mesmas exactas razões. Mas mais razões não serão mais argumentos? Ou o moderador só lerá as primeiras duas palavras - "Excelente artigo" ou "Excelente análise" deve dar logo para acender o semáforo verde, ainda que nada se comente nem acrescente. Depois, parece que há dias em que deve estar colado o amarelo, passa tudo... Ainda por cima em artigo da Dª Graça Franco, que sempre me pareceu senhora de grande fair play... se é que tem alguma coisa a ver com isto. Se calhar, também é censurada, não tendo nada a dizer sobre que comentários às SUAS opiniões são ou não publicados...
  • João Lopes
    25 mai, 2018 Viseu 10:58
    Excelente análise de Graça Franco. A eutanásia e o suicídio assistido continua a ser homicídio mesmo que a vítima o peça, tal como a escravatura é sempre um crime, mesmo que uma pessoa quisesse ser escrava! Com a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, o Estado declararia que a vida de pessoas doentes e em sofrimento não lhe interessa, e não as protege. A eutanásia e o suicídio assistido são diferentes formas de matar. O parlamento, os tribunais, os hospitais, os médicos e enfermeiros, existem para defender a vida humana e não para matar nem serem cúmplices do crime de outros.
  • Anónimo
    24 mai, 2018 21:43
    PCP, a extrema-direita da esquerda! Até Rui Rio é mais moderado.