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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

A pedra rolante

16 fev, 2018 • Opinião de Henrique Raposo


Se é verdade que Pedro é a pedra, também é verdade que Paulo move essa pedra (...) O caso dos “recasados irregulares” que caminham para a regularidade e que já foram “adúlteros” é um exemplo clássico desta pedra rolante.

Há quem diga que a posição moral da igreja sobre questões sexuais e matrimoniais não muda. Há quem diga que as posições da igreja não mudam sobre nada, ponto.

Há um fundo de verdade nesta posição. A igreja é o alicerce do mundo, a pedra de Pedro, o penedo que não responde às diferentes modas do momento. Um católico até pode perder a pátria e a família, mas nunca perderá a igreja e o evangelho. A igreja é a rocha que olha para cima para uma transcendência fixa e eterna, uma transcendência que é superior a qualquer moda ou opinião conjuntural. No entanto, há que recordar que Paulo sempre empurrou ou puxou a pedra. Se é verdade que Pedro é a pedra, também é verdade que Paulo move essa pedra desde aquele dia em que agarrou Pedro pelos colarinhos para lhe dizer que a verdade do Senhor era para todos, também era para os pagãos e não apenas para os judeus cristianizados. Sim, a pedra move-se. Devagar, mas move-se. O seu movimento não é humano, assemelha-se à deslocação das placas tectónicas. É lenta, mas existe. É lenta, mas poderosa. O caso dos “recasados irregulares” que caminham para a regularidade e que já foram “adúlteros” é um exemplo clássico desta pedra rolante.

A famosa Amoris Laetitia de Francisco não é uma revolução, não é um recomeço a partir do zero. Pelo contrário, é a consumação trinta e cinco anos depois da reforma iniciada por João Paulo II. O que não deixa de ser curioso: em 2018, o (alegado) sector tradicionalista que critica Francisco agarra-se a João Paulo II como uma lapa à rocha. Sucede que foi João Paulo II quem abriu a porta a Francisco. Antes de João Paulo II, o meio católico ainda olhava para o divórcio como um “pecado mortal” e ainda via no recasado um “adúltero”. Recordo, só a título de exemplo, as humilhações sofridas por Snu e Sá Carneiro. Precisamente nessa época, início dos anos 80, João Paulo II rompeu com a esta tradição que impunha a ostracização dos divorciados, sobretudo dos divorciados recasados civilmente.

O papa polaco retirou os pestíferos “adúlteros” do exílio babilónico, abriu-lhes as portas da igreja, expurgou as expressões “pecado mortal” ou “pecado grave” deste contexto matrimonial, impondo a expressão “situação irregular” que agora usamos. Como escreveu Miguel Almeida sj. no Observador, isto representou um salto à Copérnico, à Galileu. E pur si muove!

O epicentro do sismo está então na Familis Consortio (1981). A Amoris Laetitia (2016) é apenas o tsunami que chega à nossa costa. Francisco completa João Paulo II, limando as contradições do Papa polaco. Ao resgatar os divorciados e recasados do exílio, João Paulo II deixou a igreja numa contradição: então eles voltam, mas não podem comungar? Então eles voltam, mas não podem entrar no confessionário? Havia uma evidente tensão entre o mandamento central (misericórdia) e o acesso aos sacramentos. É aqui que entra a solução de equilíbrio proposta por Francisco: mediante um processo de discernimento sempre acompanhado por um padre, o recasado pode voltar aos sacramentos da comunhão e da reconciliação. É isto que se espera do penedo que Paulo carrega às costas.

Comentários
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  • Filipe
    17 fev, 2018 Lisboa 15:36
    Henrique Raposo é um digno sucessor do Padre José Agostinho de Macedo.
  • Alexandre
    17 fev, 2018 Lisboa 09:42
    Mais um texto a marcar o gosto literário de Henrique Raposo que é, no fundo, deplorável, sem elevação, sem delicadeza, sem apuro, sem decência sequer, muito abaixo da sua categoria de escritor. Os seus textos aqui na Renascença são um amontoado de banalidades, de intrigas, de assuntos picuinhas, de ironias triviais, de «graçolas sujas de taberna»! Este é o estilo que Henrique Raposo usa para tentar ser conhecido e projectado.
  • Indignada
    16 fev, 2018 Fig Foz 12:04
    Aquele/a que se separa do conjuge para se jntar com outra/o, comete ADULTÉRIO..., agrade-lhe ou não. Dúvidas? Veja o significado da palavra. Tal não invalida que não haja alguma tolerância/compreensão pelas especificidades da situação em análise. O mudar de palavras, NÃO altera o significada moral da situação, que é o mesmo com o Papa Francisco, como com o Papa JPaulo II ou outro qualquer. Assim, vivendo numa situação de pecado mortal na medida em que um Sacramento foi violado, esses cristão NÃO podem comungar. Admirei e sempre apoiei Sá Carneiro, bem como sempre lamentei o estar amancebado com a Snu Abecassis. E recordo que quem mais o criticou para rebaixar perante os Católicos, foram os maçãos, comunistas e socialistas!