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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​O papel da Comissão Europeia

16 fev, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Importa um reforço da CE e do seu papel de guardiã dos tratados e defensora do interesse comunitário.

As negociações do Brexit passam por uma fase de impasse (nada que surpreenda) e as acusações de britânicos a negociadores da UE e vice-versa sobem de tom. As ideias para relançar a UE sem o Reino Unido vão aparecendo aqui e ali, mas nada de concreto é possível avançar sem haver em Berlim um novo governo – o que até pode não acontecer. Assim, recomenda-se contenção e sobretudo evitar propostas reformistas que envolvem alterações aos tratados. O presidente da Comissão Europeia (CE), Claude Juncker, mostrou sensatez ao apresentar, há dias, algumas ideias para uma União mais eficiente, mas alertando que “este não é o momento para longos debates sobre a reforma das instituições ou a alteração dos tratados”.

Na sexta-feira da próxima semana reúne um Conselho Europeu informal e a Comissão quis adiantar algumas sugestões e abordar alguns temas para apoiar o debate. Um desses temas é a composição da própria Comissão Europeia. Este é o órgão mais original da Europa comunitária, cuja função nem sempre é compreendida. Não é um governo europeu, uma vez que, na grande maioria dos casos, o Conselho (onde estão os governos dos Estados membros) toma as decisões. Só que, previamente, tem de deliberar partindo de um projeto apresentado pela CE; a decisão pode, até, ser completamente diferente da proposta pela CE. Mas, assim, a CE também não é uma simples administração que executa as decisões políticas do Conselho, como acontece nas administrações nacionais em relação aos respetivos governos. E em certos sectores, como a concorrência, a Comissão tem autoridade para tomar decisões. Aliás, a concorrência é uma área onde a CE mais fortemente se tem manifestado.

No Conselho cada representante defende os interesses do seu país. Na CE, pelo menos em teoria, deve prevalecer o interesse global da União. Por isso, frequentemente a CE é aliada dos países de menor dimensão face ao poder dos grandes Estados membros. Inicialmente a Comissão tinha dois membros dos países grandes e um apenas dos pequenos. Quando Portugal e a Espanha entraram na então CEE, no início de 1986, o nosso país tinha um comissário e a Espanha dois. Com o grande alargamento iniciado em 2004, passou a haver um comissário por país membro, grande ou pequeno.

Ora este princípio de um comissário por Estado membro pode vir a ser alterado, ainda antes de ser nomeada a próxima CE. Diz agora esta que uma CE de menor dimensão poderia funcionar de forma mais eficiente. Mas avisadamente acrescenta: “Uma Comissão reduzida significaria, também, que alguns Estados membros não estariam representados ao nível político da instituição e perderiam a vantagem de manter um canal de comunicação política direto com os seus cidadãos e autoridades nacionais.” Este ponto é muito importante, até porque cada comissário não acompanha apenas os assuntos da sua pasta específica – segue todos os assuntos de que a CE se ocupa, seja no plenário da CE (o chamado “colégio de comissários”), seja através das reuniões semanais dos chefes de gabinete dos comissários. Por isso cada comissário recebe documentação relativa a todos os problemas sobre os quais a CE se irá, ou não, pronunciar.

É verdade que o processo de decisão na UE se tem tornado cada vez mais intergovernamental, diminuindo, na prática, o papel da CE. Mas é possível e desejável que as reformas a fazer para relançar a integração europeia também contemplem um reforço da CE e do seu papel de guardiã dos tratados e defensora o interesse comunitário.

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