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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Um alargamento contra a crise

10 fev, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O alargamento da UE aos países bálticos será, necessariamente, um processo difícil e longo. Mas aponta uma orientação para o futuro, algo que tem faltado nos últimos tempos à Europa comunitária.

A Comissão Europeia quer promover a entrada na UE de países balcânicos.

Em boa parte para ultrapassar a crise da UE, que se manifesta em partidos antieuropeus e na anunciada saída do Reino Unido, a Comissão Europeia (CE) decidiu empenhar-se no alargamento da União aos Balcãs Ocidentais. As negociações de adesão à UE da Sérvia e do Montenegro já estão em andamento. Mas outros países da região podem e devem seguir-se, diz a CE. É o caso, nomeadamente, da Albânia, da antiga República jugoslava da Macedónia (país cujo nome é contestado pela Grécia, onde existe uma região chamada Macedónia), da Bósnia-Herzegovina e do Kosovo.

Receava-se que a saída do Reino Unido da Europa comunitária levasse a que outros Estados membros da UE seguissem o caminho britânico. Tudo indica que isso não acontecerá. E a Comissão quer responder promovendo novos Estados membros. Só que existem alguns problemas, referidos mais adiante. Antes disso, um breve relance pelos alargamentos anteriores.

A Comunidade Económica Europeia - CEE (como então se chamava a UE) nasceu com o Tratado de Roma (1957) agrupando os mesmos seis países que em 1952 tinham formado a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O Reino Unido não quis integrar a CEE, criando a EFTA – a chamada “pequena zona de trocas livres”, da qual Portugal foi membro fundador. Facto algo surpreendente, tratando-se, então, de um país não democrático e colonialista.

Cedo os britânicos que deram conta de que era do seu interesse integrar a CEE, cujo crescimento económico se revelava notável. Em 1961 o Reino Unido solicitou a adesão à CEE. Mas o presidente francês Charles de Gaulle opôs-se a essa adesão, considerando o Reino Unido um “cavalo de Troia” dos Estados Unidos. Por isso a entrada britânica na CEE apenas se concretizou em 1973, quando de Gaulle já não era presidente da República Francesa. Com o Reino Unido entraram na CEE a Dinamarca e a Irlanda. A Noruega também negociou a sua entrada, mas um referendo no país bloqueou a adesão norueguesa à CEE – coisa que haveria de repetir-se anos depois.

Em 1981 entrou, isoladamente, a Grécia – o que muita gente haveria de lamentar depois. Já Portugal e a Espanha em 1986 aderiram à CEE em conjunto, após longas negociações, mais difíceis com os espanhóis. Nove anos depois, aderiram à UE (antiga CEE) a Áustria, a Finlândia e a Suécia.

Depois da queda do comunismo

Entretanto, tinha caído o muro de Berlim e dera-se o colapso do comunismo. A União Soviética desapareceu, voltando a ser Rússia. Os países que tinham estado durante décadas na órbita soviética queriam democratizar-se e defender-se contra uma potencial agressividade da Rússia. A entrada desses países na Europa comunitária tornou-se um imperativo geoestratégico. Imperativo que Portugal aceitou, embora sabendo que a expansão da UE a Leste tornava o país mais periférico – desvantagem que PS e PSD quiseram limitar colocando Portugal sempre no núcleo mais avançado da integração europeia – na moeda única, desde logo.

Assim, em 2004 dá-se o “grande alargamento”. Entraram a Polónia, a Hungria, a República Checa, a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Lituânia e a Letónia. Países que tinham vivido décadas submetidos à União Soviética. Nessa altura aderiram também Malta e Chipre. Em 2007 entraram a Bulgária e a Roménia e em 2013 a Croácia.

A ilha de Chipre estava, e continua, dividida entre uma parte pró-turca e outra pró-grega. Na altura havia a esperança de que a divisão acabasse e Chipre se tornasse um só país. Mas entrou na UE apenas a parte grega da ilha, tendo falhado depois as tentativas de unificação. Experiência que a CE não quer repetir na estratégia que propõe para o alargamento aos países balcânicos. Previamente a essa adesão, salienta, “devem ser consideradas e implementadas soluções definitivas e vinculativas para os diferendos com países vizinhos”. É o caso, por exemplo, do Kosovo, que a Sérvia não reconhece por considerar território seu.

Novos problemas

O grande alargamento da UE impunha um novo tratado aprofundando a integração (por exemplo, mais votos por maioria no Conselho), sob pena de o processo de decisão na UE encravar. Após várias tentativas mais ou menos frustradas, o Tratado de Lisboa (2007) pareceu resolver a maior parte dos problemas. Mas a saída do Reino Unido e um novo alargamento vão exigir uma espécie de refundação da UE, relançando a integração europeia, hoje muito contestada. É isso, pelo menos, o que se espera da dupla Macron-Merkel, se esta última continuar a ser chanceler da Alemanha. Mas levantam-se novos problemas.

A CE propõe um certo número de regras para que países dos Balcãs adiram à Europa comunitária. Reformas nesses países, naturalmente, e sobretudo respeito pelo Estado de direito, o que implica, nomeadamente, respeito pela independência do poder judicial por parte do poder político. Ora vemos hoje que essa independência não é respeitada em países que já são membros da UE, como a Hungria e a Polónia. Importa, por isso, resolver essa difícil questão com os países da UE que não respeitam o Estado de direito, para poder exigir, com credibilidade, independência do poder judicial aos países candidatos a entrarem no “clube”.

O alargamento da UE aos países bálticos será, necessariamente, um processo difícil e longo. Mas aponta uma orientação para o futuro, algo que tem faltado nos últimos tempos à Europa comunitária.

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