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Consumo privado e despesa pública

09 fev, 2018 • Opinião de Luís Cabral


Ambos resultam do problema dos incentivos, um problema central na análise económica.

O consumo de cada economia pode dividir-se em despesa pública e consumo privado. Há quem diga que temos despesa pública a mais, e há quem diga que temos despesa pública a menos. Quem tem razão?

Há dois princípios fundamentais a considerar neste contexto. Ambos resultam do problema dos incentivos, um problema central na análise económica. O primeiro princípio diz que se eu tiver de escolher entre gastar 1 euro numa despesa que me beneficia a mim ou 1 euro numa despesa que beneficia várias pessoas, a tendência é preferir a primeira.

Resumindo e simplificando, este é um problema realçado por John K Galbraith em vários dos seus escritos, incluindo a visão da família americana guiando um carro super-luxuoso para usufruir de um picnic super-delicioso num parque mal tratado, sujo e poluído (numa sociedade capitalista, nenhuma família se preocupa pelo cuidado do parque: "o problema não é meu").

Um argumento favorável é perspectiva de Galbraith é dado pleas infraestruturas dos Estados Unidos: num país de gente rica, com casas e carros de grande valor, é desconsolador verificar como vários aeroportos, comboios, e estradas manifestam níveis de degradação pouco comuns em países desenvolvidos.

O segundo princípio diz que se um governante tiver de optar por um projecto com benefício imediato e custos futuros, esse governante não hesita mais do que 3 segundos, mesmo que os custos sejam significativamente superiores aos benefícios.

O primeiro princípio sugere que a despesa pública deveria ser superior, pois o consumidor (que indirectamente escolhe o nível de despesa pública) tende a preocupar-se mais com o seu bem-estar do que com o bem-estar dos outros. O segundo princípio sugere que a despesa pública é superior ao que seria socialmente óptimo, pois o governante médio preocupa-se mais com a sua re-eleição do que com a saúde económica da nação.

Quem tem razão? Na verdade, ambos — dependendo do sistema político de cada país e do tipo de despesa em questão. Há algumas semanas Francisco Sarsfield Cabral afirmava que "cada vez mais importa reduzir racionalmente a despesa pública, mas é cómodo adiar." Creio que Sarsfield Cabral se referia efectivamente ao segundo princípio acima apontado.

Creio que estamos de acordo em, para Portugal no princípio do Século XXI, a segunda fonte de enviesamento é mais importante que a primeira.

Comentários
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  • MASQUEGRACINHA
    09 fev, 2018 TERRADOMEIO 18:02
    A continuar nessa lógica de princípios, ainda acaba por chegar à fábrica de agulhas do Adam Smith. É que, entretanto, e quanto às escolhas, outras teorias surgiram (há mesmo, pelo menos, um Nobel entalado algures), bastante menos simplistas. Por outro lado, o que dizer do buraco negro de 1% que devora a riqueza produzida por 99%? Parece ser suficientemente importante para desequilibrar a singela beleza do sistema dos dois princípios, embora sendo possivelmente também escolha inconsciente do consumidor em geral e do governante médio em particular. Sem dúvida, a merecer a introdução de um terceiro princípio : em todas as escolhas, cobrar-se-á para rolexs e tacos de golfe premium.