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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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Reflexão à volta das escolas

07 fev, 2018 • Opinião de José Miguel Sardica


Uma vez mais, como desde há anos, os colégios privados dominam a lista das 50 melhores escolas no ranking de resultados obtidos nos exames do 12.º ano; a 1.ª escola pública surge apenas no 28.º.

A elaboração anual de rankings das escolas secundárias é um exercício de aferição inegavelmente útil. Mas não deve ser tomado como juízo absoluto, glorificando os estabelecimentos que estão no topo da lista e estigmatizando os últimos.

Ficaram agora disponíveis os rankings de 2017 – e uma vez mais, como desde há anos, os colégios privados dominam a lista das 50 melhores escolas no ranking de resultados obtidos nos exames do 12.º ano; a 1.ª escola pública surge apenas no 28.º lugar e há somente nove estabelecimentos de ensino público no top 50. Isto não invalida que, por contraste, no ranking de sucesso, que não mede resultados em final de ciclo (12.º ano), mas antes a margem de progressão média de notas internas, algumas escolas públicas tenham um desempenho cimeiro.

Porque os números podem ter várias leituras, e porque – questão eterna e sensível – o público e o privado nem sempre podem ser comparados, o ministro da Educação já veio dizer que não é um particular adepto dos rankings. Eu também sou dos que não lhes dão uma importância exagerada. São indicadores, sim, e devem ser objeto de reflexão em cada escola, porque o são no interior de muitas famílias, quando olham para as escolhas que podem, ou não, fazer para a educação dos seus filhos. Mas as escolas são instituições em contextos, nas quais convergem variáveis exteriores muito diversas que lhes condicionam o êxito ou o insucesso.

Portugal é um país onde o investimento e o esforço na educação geral dos seus cidadãos foi sempre um parente pobre; e quando houve mais dinheiro e maior esclarecimento decisório (em democracia), a massificação do ensino e a instabilidade dos seus modelos não ajudaram a criar uma cultura educativa continuada e sólida, que valorizasse, social e politicamente, a escola e o conhecimento. Não houve governo ou político, nas décadas mais recentes, que não declarasse a sua “paixão” pela educação; mas nem a “paixão” foi sempre clarividente, nem a conjuntura foi sempre amiga.

O lugar que uma determinada escola ocupa nos rankings é resultado de muitos fatores, uns mais objetivos, outros muito subjetivos. Há, desde logo, o projeto ou modelo educativo, que no setor público é decretado na 5 de Outubro e no setor privado livremente escolhido; há o quadro de professores, onde a vinculação, a estabilidade e a experiência de uns contrastam com a lotaria dos concursos, a instabilidade e a desmotivação de outros; há o tipo de alunos, que o acaso junta numa dada turma, filhos de pais que tanto podem ter o doutoramento e uma casa com livros ou de outros com a 4.ª classe ou o ciclo, onde o rendimento mal chega para as necessidades básicas; há a dinâmica dessa turma e dos seus resultados, com mais ou menos chumbos (hoje diz-se “retenções”), melhor ou pior média, e maior ou menor inflação de notas, no final do ano, para que a escola faça “boa figura” nos rankings, mesmo que os seus alunos depois revelem enormes fragilidades nos exames nacionais ou na universidade em que ingressam; e há, finalmente, o próprio contexto socioeconómico e geográfico em que a escola se insere.

As famílias mais abonadas podem escolher as melhores escolas, que por norma estão em bairros “melhores” (e estas também podem escolher os seus alunos…); as famílias menos abonadas têm de frequentar a escola da sua área, que do interior deprimido aos subúrbios empobrecidos das grandes cidades muitas vezes não se recomenda. Sim, os rankings são importantes; todavia, não passam de números finais, a jusante de muitas realidades mais ou menos (in)visíveis e profundas que, à volta da escola, determinam as suas conquistas ou os seus fracassos.

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