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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​A direita portuguesa

10 jan, 2018 • Opinião de José Miguel Sardica


Rio e Santana não entusiasmam. Do que deles ouvimos, há ajustes de contas a mais e pensamento a menos. E francamente, a direita precisa de ser bem mais do que um mero cálculo acerca da melhor maneira de chegar ao poder.

Quem vai ser o 18.º titular da cadeira mais importante da São Caetano à Lapa? Rui Rio, o ex-autarca do Porto e ex-vice-presidente do PSD, ou Pedro Santana Lopes, o ex-autarca de Lisboa e ex-presidente do PSD (além de primeiro-ministro)? Por estes dias, a direita portuguesa agita-se. Mas que direita? E agita-se em nome de quê?

Comecemos pela primeira questão. É quase tão difícil ser-se de direita em Portugal como proclamar-se socialista nos EUA! E o problema não é de agora. Desde que, vai para dois séculos, a revolução liberal pulverizou a Igreja, a aristocracia e a propriedade, num país pobre e analfabeto, e ergueu um Estado macrocéfalo, tábua rasa do passado e retoricamente reformista – embora sempre parco de recursos – toda a gente na política se declarou “progressista”, porque a liberdade só poderia ser o fomento e não havia nada para “conservar”.

A moderação conservadora transformou-se, assim, em “meio-termo pasteleiro”, acusado de retrógrado ou inútil durante a Monarquia, e de reaccionário ou inimigo durante a República. Até 1926, o liberalismo raramente foi de direita; e de 1926 a 1974, a direita, ressuscitada pelo caos da “democracia” republicana, nunca foi liberal. Passado o PREC, a direita que temos tido nasceu no centro-esquerda ou no centro, e acabou, quando muito, no centro-direita. O PPD-PSD e o CDS dizem-se, ou eram, partidos de social-democracia e de democracia-cristã. Só o inchamento do PCP e do PS após a Revolução explicam que aqueles tenham deslizado para a direita.

O salazarismo já lá vai há muito; mas a sua memória e a suposta superioridade moral das esquerdas (exacerbada pelo politicamente correto), faz com que dizer-se de direita (liberal e democrática, entenda-se) ainda requeira coragem, num país que, fora o Estado Novo, esteve sempre tombado para a esquerda. Vai sendo tempo de acabar com este estigma e com este desequilíbrio. O debate político precisa de projectos alternativos, de controvérsia saudável, de mercado de escolhas. A existência de uma verdadeira direita democrática, opondo-se construtivamente a uma esquerda democrática (e vice-versa) é prova de maturidade do sistema político – e a este propósito, o nosso ainda é bastante imaturo.

Daí a segunda questão. Quem se diz de direita e quer uma direita, o que é que quer afinal? Discutir candidaturas (Rio ou Santana) tem de ser um meio para um fim, e não um fim em si mesmo. O que é que cada um deles pensa e verbaliza, de abrangente e prospectivo, para o país – sobre o Estado e as suas funções, sobre a sociedade civil e a sua vitalidade; sobre a educação, a economia, o trabalho e a sustentabilidade do estado social; sobre o indivíduo, a família, as relações intergeracionais e o bem-estar colectivo; sobre a cultura, a memória, o património e os valores; sobre a inovação, a competitividade ou o ambiente; ou sobre o país na Europa e no mundo? O que querem, e projectam, que seja Portugal daqui a dez, quinze ou vinte anos?

Na voragem mediática dos dias de hoje, crê-se que a opinião pública não se interessa por aquilo que os políticos dizem, mas apenas pelo que sentem ou parecem. Não é bem verdade. Candidaturas puramente personalistas, sem uma mundivisão, não servem, porque não mobilizam.

Sendo directo, Rio e Santana não entusiasmam. Do que deles ouvimos, há ajustes de contas a mais e pensamento a menos. E francamente, a direita precisa de ser bem mais do que um mero cálculo acerca da melhor maneira de chegar ao poder – se à boleia de António Costa, se contra António Costa. Na hora da sua partida, é justo reconhecer que Pedro Passos Coelho teve um desígnio e apresentou resultados, que aliás alavancaram o alívio económico hoje sentido. Poderão Rui Rio ou Pedro Santana Lopes algum dia fazer melhor?

Comentários
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  • António Costa
    10 jan, 2018 Cacém 23:27
    À Direita nada de novo: os ajustes de contas do costume, e que só por acaso já existiam quando Sá Carneiro liderava o então PPD. Agora ninguém "empurrou" o CDS ou o PPD/PSD para a Direita! ("O Partido Socialista tem por objectivo a edificação em Portugal de uma sociedade sem classes.......no quadro da colectivização dos meios de produção....." Partido Socialista - Declaração de Princípios - Setembro de 1973). Nesta época o PS, defendia uma sociedade Socialista "em Liberdade" por oposição "à ditadura do proletariado" do PCP. Nesta época era "toda a gente" de Esquerda! Toda! Bem o CDS, não era de Esquerda, era do Centro.
  • Alexandre
    10 jan, 2018 Lisboa 22:44
    Para Pedro Passos Coelho «alavancar» (expressão do autor do texto) o alívio económico no país (nada sentido pelas muitas famílias de portugueses), foi preciso a austeridade sobre a austeridade. Estas medidas de Passos Coelho que tanto agradaram a José Miguel Sardica, em nada ajudaram a melhorar a sociedade. Em relação à educação, à saúde e à habitação, o país conheceu a sua pior fase. Relembro o autor deste texto que o governo de Pedro Passos Coelho foi ainda mais longe que o programa pedido pela «troika». O chamado «alavancar» do alívio económico deu numa sociedade ainda mais frágil e em completa decadência.
  • joao123
    10 jan, 2018 lisboa 17:52
    O Pedro Silva é que sabe, não há nada como a querida esquerda que levou o país à falência em 2011, esses é que são bons, e siga a festa...
  • MASQUEGRACINHA
    10 jan, 2018 TERRADOMEIO 16:33
    Ai países nórdicos, países nórdicos, que caminhais para o abismo... Sobre a direita, e o centro já agora, recomendam-se (nem que mais não seja pela coerência inteligente progressiva, que é qualidade que nem todos conseguem ter, por mais que vivam) os escritos e ditos de Adriano Moreira ou Freitas do Amaral. De resto, o que não falta por aí são saudosistas da época pré-pulverização da Igreja, da propriedade e da aristocracia (safa!), a quererem parar o movimento perpétuo do mundo para dar estabilidade ao seu sofá.
  • Pedro Silva
    10 jan, 2018 Lisboa 08:59
    Infelizmente para o Sr. José Miguel Sardica e para a Renascença (ferozes apoiantes da direita tradicional e conservadora), a chamada «direita» é um mero cálculo sobre a melhor maneira de chegar ao poder. Ultimamente, com a demagogia de Assunção Cristas, a direita tenta colar alguns «slogans» às aspirações do povo (que o próprio CDS despreza) para depois também tentar o poder, através de uma aliança com o partido maioritário da direita (PSD). Ao não entenderem nada da sociedade e como esta deve melhorar em políticas (todas defendidas pelos partidos da chamada «esquerda»), a Renascença e José Miguel Sardica colam-se à direita e ao tempo perdido.