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Reportagem - A vida levou-os por caminhos incertos. São jovens na prisão - João Cunha - 26/12/2017

Reportagem

A vida levou-os por caminhos incertos. São jovens na prisão

26 dez, 2017 • João Cunha


Têm entre 12 e 18 anos e uma vida já marcada pela delinquência. A Renascença esteve no Centro Educativo Navarro de Paiva, em Lisboa, para conhecer as suas histórias.

Cometeram factos equiparados a crimes pela lei e estão, por isso, a viver num centro educativo. São jovens dos 12 aos 18 anos ou até aos 21, dependendo da medida aplicada e se os actos foram cometidos antes dos 16 anos, quando são inimputáveis.

Um desses centros é o de Navarro de Paiva, em Lisboa. No total, tem 24 rapazes e 10 raparigas. O mais novo é uma menina de 13 anos. A seguir, dois rapazes de 14 e depois a média tem 16 ou 17 anos.

Trata-se de um centro misto, em que as unidades femininas e masculinas estão separadas, não havendo contacto. É ali que passam os dias e que tentam deixar para trás uma vida, ainda curta mas já marcada pela delinquência.

Teresa é um nome fictício, mas carrega uma história real. Está há um ano e um mês no centro. Faltam dois meses para regressar à família e reintegrar-se na sociedade.

Antes disso, e ao contrário do ano anterior, vai passar o Natal a casa.

“Vou para casa, vou passar com a minha família. No ano passado não foi assim. No dia 24 jantei cá e, no dia 25, a minha família veio cá ver-me, à tarde. Foi diferente, mas tive que o passar… O Natal é sempre melhor quando passamos com a família”, reconhece.

Por isso, este ano, diz Teresa, vai ser a valer. “Vai ser melhor do que nos outros anos. Porque nos outros anos era normal juntarmo-nos todos e passarmos o Natal juntos. Mas agora, como passou este Natal sem eu estar em casa, acho que vai ser melhor, vai ser diferente”.

Depois de três dias em casa, sabe que vai ter de regressar à instituição. Vai custar-lhe, mas diz-se preparada porque já foi uma vez a casa e já se habituou. Percebeu, sobretudo, a importância de ali ter estado. Aprendeu a crescer.

“Eu não queria estar aqui. Mas, por um lado, ainda bem que eu vim para aqui, porque se eu continuasse lá fora, era capaz de nem sequer chegar aqui e ir para outro sítio ainda pior”, afirma.

“Isto foi uma aprendizagem, porque ajudou-me a ultrapassar alguns problemas, a atingir o que eu quero, os meus objectivos, e a crescer”, reconhece.

Se antes lhe dissessem ‘não’, remoía-se por dentro, respondia, aceitava mal. Pior ainda quando lhe apontavam um defeito. Mas agora é diferente. “Agora consigo levar isso na boa. Já não ajo sem pensar nas consequências. Agora páro e penso. Porque a única que se prejudica sou eu, não são os outros”, partilha.

Teresa já avançou o suficiente no processo de faseamento do projecto educativo a que se sujeitou e que cumpriu quase na totalidade.

Rogério Canhões, director do centro, explica que por isso Teresa já pode passar alguns dias com a família, em épocas especiais como a do Natal.

“Quando são capazes de exercitar estas competências iniciais da primeira fase em sociedade, estarão também eles preparados para poder ir, não connosco, mas poderem ir com a família, que está previamente trabalhada connosco, passar férias. E são três dias. É um período super diminuto. No caso do Natal é 24, 25 e 26”, explica.

E, até quando estão com a família, estão – à distância – a ser acompanhados “quase ao minuto”, diz ainda Rogério Canhões. “Porque há um plano de conduta prévio, contratualizado com os jovens e com a família, no sentido de saber o que ele pode e não pode fazer. Locais que não pode frequentar, amigos com quem não pode interagir, a permanência ao pé de quem – do tio, da mãe, do avô, do pai. E nós vamos telefonando em horas que não estão previamente combinadas”.

No fundo, é perceber que vão para estar com a família, que é uma outra forma de estar e de viver daquela a que estavam habituados, porque vivam em paralelo com o que é o instituído e sem limites, na maior parte das vezes.

Três dias que vão saber a muito mais

Mário, outro nome fictício, era um desses jovens. Vivia sem limites e isso conduziu-o a erros. Já está há tempo suficiente na instituição para poder ir passar o Natal a casa. Se bem que, pelo que se percebe da conversa, o importante não seja tanto o Natal, mas sim estar uns dias fora do centro.

“São apenas três dias. Mas vão saber a muito mais...”, revela Mário, pronto para fazer a mala e regressar por uns dias a casa.

Também seriam importantes, esses três dias, para os que não vão poder ir a casa, como João, outro nome fictício.

Está há apenas um mês a tentar corrigir os seus erros e ainda lhe falta um ano e 11 meses. O João lembra-se do bacalhau dos últimos natais, em casa da avó.

“O Natal em família é em casa da minha avó. Cada um prepara as comidas e leva para casa da minha avó. O essencial, que é o bacalhau, a minha avó é que faz, da sua forma. Depois ficamos todos juntos, a ouvir música e a comer doces ou salgados”, conta.

É noutra casa que vai passar este Natal. Tenta disfarçar alguma emoção e diz acreditar que vai ser um Natal como os outros. E, daí, talvez não.

“Desde que haja alegria e união faz-se uma festa de Natal. Como fazia em casa. Não é a mesma coisa, não tenho os meus familiares, mas sempre dá, para disser assim, sempre dá para disfarçar”, afirma resignado.

Tenta disfarçar a lágrima no canto do olho, garante que a família tem pena que não estejam, este ano, todos juntos.

E quer deixar um conselho a outros jovens que como ele, se deixaram levar pelas más companhias: “Por serem amigos, não temos de fazer o que eles fazem. Basta conviver com esses amigos que nos levam por maus caminhos. Mas não fazer o que eles fazem. Desde irem à escola, arranjar alguma coisa para saírem dos furtos e essas coisas. E para se afastarem disso tudo. Porque a justiça tarda, mas não falha”.

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  • João Pestana
    25 dez, 2017 Agueda 11:42
    Não sei porque tem o contribuinte de pagar a estadia a estes marmelos. Não seria mais produtivo e obtidos melhores resultados se os delinquentes fossem castigados com duas dúzias de chicotadas pelas costas abaixo ? Se repetissem a proeza... trabalhos forçados a favor da comunidade, há muita floresta para limpar muito granito para extrair e muito minério para minerar. Não seria mais útil à sociedade e à sua educação faze-los pagar a estadia e alimentação em vez de se sobrecarregar o contribuinte ?
  • Luis
    25 dez, 2017 Lisboa 09:53
    Coitadinhos, tanta pena deles.E as pessoas inocentes a quem estes animais lhe mudaram a vida?
  • Filipe
    25 dez, 2017 évora 03:35
    Se tivessem poder monetário teriam contratado advogados sabedores de leis e hoje talvez estavam a ser recuperados e nem presos tinham sidos . Calham advogados e advogadas oficiosas que não passam mais de uns empregados do Estado rascas contratados para meterem gente doente e inocente presas . Hitler , foi pioneiro nessas práticas agora reproduzidas pelo Estado Português a papel químico ... criando tribunais manipulados e defesas preparadas para meter os opositores na cadeia , faltando somente reproduzir o nome de Campos de Concentração , mas hoje as prisões Portuguesas quase batem essa matéria no que toca a violações dos Direitos Humanos .
  • KradFire
    24 dez, 2017 Portugal 23:57
    Ficava bem se no artigo mencionassem os crimes que esses seres "inocentes" cometeram. Quem lê fica com a noção que são jovens que foram apanhados no meio da rua e feitos reféns.