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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

​Jerusalém: entre Maria e o presépio

22 dez, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


E se o presépio é a negação do poder económico, político e snobe dos indivíduos, Jerusalém é a negação do poder geoestratégico e militar das nações.

Porque é que andamos a discutir Jerusalém, um ermo sem importância económica ou estratégica? Aliás, porque é que nos últimos dois milénios Jerusalém tem sido tema de amargas discussões e guerras sangrentas? Um materialista concebe uma guerra pela posse do Canal de Suez, artéria comercial, mas não consegue conceber uma guerra pela posse de Jerusalém. Não consegue porque não compreende ou não quer compreender que os homens, antes de serem entidades materiais, são entes espirituais que olham para cima antes de olharem para o chão que pisam.

Os símbolos contam mais do que os bolsos. Ora, na história da simbologia espiritual, não há espaço mais simbólico do que Jerusalém. Como escrevi há dias no Expresso, seguindo o grande Simon M. Montefiore, esta cidade é uma espécie de portal entre o céu e a terra, é o ponto geográfico onde a latitude e a longitude terrenas se cruzam com a latitude e a longitude divinas, é o ponto de intersecção entre a universalidade do eterno e o relativismo da história humana, no fundo, é o ponto onde a Cidade de Deus traçou uma perpendicular à Cidade dos homens.

Jerusalém é no fundo a antecessora de Maria. Sim, de Maria. Jerusalém (que é sempre descrita como uma mulher nos textos bíblicos) é uma versão geográfica de Maria. Antes de Maria ser o portal humano da Verdade através da Encarnação, Jerusalém já era o portal geográfico onde a história da eternidade tocava na história humana. Não é Encarnação, mas é Construção ou Reconstrução do mundo dos homens à imagem do Reino. Não é por acaso que a ideia de Nova Jerusalém esteve na cabeça de todos os planos de reconstrução da sociedade europeia do outro lado do Atlântico, desde Vieira a Lincoln.

Mas a resposta à primeira pergunta leva-nos a uma segunda questão: porquê Jerusalém? Porque é que Deus escolheu como portal uma cidade minúscula de um povo minúsculo e sem poder? Porque é que Deus não escolheu os grandes impérios de há 4000, 3000 e 2000 mil anos como palco para a Revelação? Porque é que não apareceu aos Assírios? Porque é que não escolheu o magnífico império da Babilónia? Em Jerusalém não existia o fausto e a beleza dos jardins suspensos; havia apenas o Vale de Josafat, local ermo, feio, pobre. Porque é que Deus escolheu um povo fraco rodeado por impérios pluricontinentais (Egipto, Pérsia, Assíria, Babilónia, Roma), um povo que nem sequer conseguia derrotar de vez os rivais do seu tamanho e que disputavam a mesma terra (Fenícia, Filisteia)? A resposta está no presépio . Porque é que Deus encarnou no corpo de um bebé indefeso de um casal de indefesos? Porque é que não encarnou no corpo de um grande general de um grande poder? O filho de Deus nasceu numa manjedoura nauseabunda para nos mostrar que a latitude e a longitude do Reino de Deus nada têm que ver com nossas noções terrenas de poder. E se o presépio é a negação dopoder económico, político e snobe dos indivíduos , Jerusalém é a negação do poder geoestratégico e militar das nações.

Jerusalém era frágil, tal como Jesus. Jesus começou como bebé e simples carpinteiro no meio de um povo de pastores; Jerusalém era uma cidade de província sem o poder de Nínive, Roma ou Susa. À semelhança da fragilidade de Jesus, a fragilidade de Jerusalém foi destruída pelos poderes terrenos. No entanto, a sua ideia perdurou até hoje. Em 2017, já ninguém se lembra do poder de outrora de Susa ou Nínive, capitais de impérios pluricontinentais, mas o mundo continua ancorado aos filhos de Jerusalém, esse monte de pedras.

Comentários
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  • Henrique Anastacio
    26 dez, 2017 Porto 21:53
    É uma grande verdade que ajuda à fé esse enorme contraste entre um povo tão pequeno e insignificante con a repercussão histórica que teve e continua a ter, 30 séculos depois do rei David ter feito dessa aldeia a capital do Reino de Judá e depois de ter sido tantas vezes arrasada por completo. As três grandes "fés" da humanidade não podem prescindir do significado único desta cidade.
  • Domingos Simões
    22 dez, 2017 Caldas da Rainha 19:33
    Uma vez mais fico agradecido a Hemrique Raposo. É muito agradável para mim ler HR e dedico com regularidade algum tempo a reflectir sobre os seus conteúdos. Se não os apreciasse ocuparia esse tempo em algo diferente. Um Santo Natal e Bom 2018.
  • João Lopes
    22 dez, 2017 Viseu 15:25
    Excelente artigo de HR. É verdade, «o presépio é a negação do poder económico, político e snobe dos indivíduos , Jerusalém é a negação do poder geoestratégico e militar das nações».
  • Emanuel Teixeira
    22 dez, 2017 Sintra 09:19
    "Porque é que Deus isto, e Deus aquilo..." Resposta: deus não existe, e por isso todas as concepções e especulações são permitidas!
  • Pedro Silva
    22 dez, 2017 Lisboa 08:36
    «O filho de Deus nasceu numa manjedoura nauseabunda»... Como é que Henrique Raposo sabe isto? Ridículo.