12 dez, 2017
Larry Collins e Dominique Lapierre foram dois dos escritores disponíveis nas estantes da minha adolescência, com relatos como «Paris já está arder?», «Esta noite a liberdade» e o «O quinto cavaleiro». Familiarizaram-me, pelo detalhe, humanidade e rigor jornalístico, com a libertação de Paris (e o acto corajoso de Dietrich von Choltitz enfrentando a louca fúria de Hitler) ou com a relação de Louis, Lord Mountbatten, com Mahatma Gandhi, e o drama político e religioso que se seguiu à independência da India. E, do mesmo modo, mas através de uma intensa obra ficcional, com uma Nova Iorque moderna que se encontra a braços com uma ameaça de bomba atómica encomendada pelo designado anti-Cristo da época, Mohammad Kadhafi, e cujo enredo, editado em 1987, anos antes do ataque às Torres Gémeas do World Trade Center, permanece actual na descrição do apocalíptico imbróglio político e merece uma releitura atenta: uma carga de três megatoneladas será detonada se um estado Palestino autónomo não for imediatamente declarado, mobilizando políticos fracos, diplomatas confusos, agentes secretos risíveis e muito banais cidadãos comuns, nas suas mesquinharias estruturais e grandezas ocasionais.
Mas talvez o mais impactante livro de Collins e Lapierre seja «Ó Jerusalém!», uma obra detalhada e viva do conflito entre cristãos, árabes e judeus em torno da criação do Estado de Israel e a situação crítica da Palestina, mais uma vez, logo após a saída dos ingleses, cujos Exit das várias parcelas do Império onde o sol nunca se punha ressuou, com estrondo grandemente amplificada, por todo o planeta. A memória desta leitura extraordinária – e muito recomendável – visita-me regularmente, pois as notícias sobre o Médio Oriente são quase sempre inquietantes e é certo que, apesar dos progressos económicos e culturais do Estado de Israel, a sua situação político-estratégica interna e a consistente, arisca e ambiciosa dificuldade de relação com as zonas fronteiriças, já várias vezes conduziram a episódios de guerra e significa uma vida de terror, muros e indignidade para milhões de pessoas. Além disso, Jerusalém é, intensamente, a Cidade Santa para os fiéis das três religiões abraâmicas – que não as três religiões do Livro, como recordam os teólogos católicos – e por isso merece um respeito tácito, neutral e intocável que só a mais estúpida e cretina indiferença religiosa poderia ignorar ou, pior do que isso, provocar.
Um desejo consciente de macular o espaço privilegiado e simbólico da fé de biliões de crentes pareceria muito próximo do desejo vingativo de Hitler de destruir a Cidade Luz, já a «oferta» da cidade a amigos e parentes recorda os espúrios vendilhões do Templo, atentos à manutenção do status quo e da superficialidade dos costumes, mas sem qualquer fé que não fora no negócio. No entanto, em Paris, a responsabilidade prevaleceu, salvou-se a história e a beleza. Como será em Jerusalém?
Na sua nova novela, «The Golden House», à maneira de um Voldemort para adultos, Salman Rushdie nunca nomeia o Presidente Americano, que apelida de “The Joker” e não será pelo seu sentido de humor mas mais pela mente viciada e irracional de um jogador empedernido e amoral: só mais uma cartada no engraçado jogo da destruição, que bom é o poder como um fim em si mesmo. Neste Natal, estamos em Jerusalém, o lugar da Páscoa de Cristo, para que, para além das “joke” e das ameaças, a Cidade possa manter-se um espaço de paz para todos, imperfeitamente, limitadamente, convulsamente, isto é, com toda a intensidade e drama da natureza humana e a inerente fragilidade de conversar a partir do coração da conversão. E que o seja mesmo para aqueles que não têm Fé nem se sentem, particularmente, ligados a um Estado ou uma Nação. «Ama o teu próximo porque ele é igual a ti», disse Jesus, e o Livro registou.
Votos de um Natal de Paz para todos.