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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Tentar perceber

A defesa europeia

09 dez, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Uma defesa integrada não é uma ideia nova. Mas agora tem condições para avançar.

A ideia de uma defesa europeia não é nova. Pelo contrário, logo após ter surgido a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1952, foi negociada uma Comunidade Europeia de Defesa. Ou seja, menos de dez anos depois do fim da II Guerra Mundial, o desejo de paz na Europa era tanto que o Tratado que previa aquela Comunidade era também assinado pela República Federal Alemã.

Mas foi a França que inviabilizou esta instituição. Não por causa da Alemanha, país com o qual a França se reconciliou, depois de três conflitos – guerra franco-prussiana (1870-1871), I Guerra Mundial (1914-1818) e II Guerra Mundial (1939-1945). Quem impediu a Comunidade Europeia de Defesa de se concretizar foram os deputados gaullistas, com o apoio dos comunistas, na Assembleia Nacional francesa, em Agosto de 1954. Eram conhecidas as preocupações soberanistas de ambos.

Depois deste malogro, a integração europeia não parou: prosseguiu sobretudo pela via económica. A CEE, Comunidade Económica Europeia, avançou com o Tratado de Roma, de 1957, com os mesmos países da CECA (França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo).

À sombra do poder militar dos EUA

Nos cinquenta anos seguintes foram feitas algumas tentativas para trazer a integração europeia para a área da defesa. Houve contactos nesse sentido entre os únicos países nucleares europeus, a França e o Reino Unido, que em 1973 passou a fazer parte da CEE. Mas nunca houve avanços significativos nessa área.

Sem o confessarem, os europeus passaram a achar mais cómodo e sobretudo mais barato viverem protegidos pela força militar americana. Os EUA tiveram centenas de milhares de soldados estacionados na Europa, sobretudo na Alemanha, como prevenção de um possível ataque militar da União Soviética, que já dominava uma série de países do Leste europeu.

Só que o comunismo soviético colapsou no final dos anos 80. A URSS voltou a chamar-se Rússia. O fim da guerra fria e da ameaça soviética enfraqueceu a unidade da Europa ocidental (até aí reforçada pelo inimigo comum) e levou à redução da presença militar americana em território europeu - incluindo nos Açores.

Hoje, a Rússia de Putin mostra-se agressiva, nomeadamente no Leste da Ucrânia e na Crimeia.

Os países bálticos sentem-se potenciais alvos de intervenções militares russas, pelo que a NATO reforçou os seus efectivos na região.

Mas os países da UE mantiveram muito escassos os seus gastos com a defesa. Por exemplo, a intervenção europeia na Líbia teve de contar com o apoio logístico americano, sobretudo no campo das informações via satélite. E um contingente militar francês teve que ser transportado para a ex-Jugoslávia, em missão de paz, num navio... de cruzeiros turísticos.

O isolacionismo de Trump

A eleição de Trump veio, finalmente, acordar os europeus para a necessidade de tratarem mais a sério da sua própria defesa. Sendo lógico que o façam em conjunto, juntando forças.

Na sua campanha eleitoral Trump tinha considerado “obsoleta” a NATO. E depois mostrou-se pouco empenhado em socorrer um membro da Aliança Atlântica que viesse a ser atacado. Recorde-se que o artigo 5º do tratado da NATO diz que, se um país membro for atacado, todos os outros se consideram atacados.

A falta de confiança num apoio americano eficaz levou 24 países da UE a formarem uma cooperação estruturada permanente na área da defesa – isto é, um grupo de Estados Membros (no mínimo 9) que o Tratado permite avançar para uma determinada área de integração, mantendo-se aberto a que outros países da UE venham a fazer parte do grupo.

Portugal e a defesa europeia

Entre nós este assunto começou a ser publicamente debatido demasiado tarde. E quase só o foi porque o PSD e, em menor grau, o CDS puseram condições à formalização da adesão de Portugal à cooperação estruturada permanente. Condições que o PS prontamente aceitou. Já a posição contrária do PCP e do BE nada teve de inesperada.

As condições colocadas têm a ver com evitar que se forme um exército europeu, que prive os Estados que nele participem de manter a sua soberania militar. Ou seja, que a divisão de tarefas no quadro da integração militar europeia não leve a uma estrita especialização em áreas determinadas de defesa, impedindo cada país de manter sob a sua exclusiva soberania umas Forças Armadas que assegurem o seu nível básico de segurança. É que pode haver casos em que a ameaça a um país não suscite uma intervenção do tal “exército europeu”, ficando então esse país desarmado.

A participação portuguesa nesta cooperação estruturada permanente salvaguarda, assim, uma razoável capacidade defesa dependente, apenas, das autoridades políticas nacionais. Mas Portugal, como os outros países europeus participantes nesta iniciativa, terão de aumentar os seus gatos na defesa para um mínimo de 2% do PIB. Meta que não é nova. Mas que só poucos países da NATO atingem.

As vantagens da integração serão, por exemplo, unificar as características dos equipamentos militares, de modo a facilitar a compra conjunta de armas e munições. O que, com maior poder negocial, tornará as compras mais baratas e, em certos casos, beneficiará empresas nacionais de material militar. Também se prevê uma maior cooperação no campo da investigação militar.

Além, naturalmente, de se manter uma eficaz colaboração com a NATO, à qual pertence a maioria dos países da UE envolvidos nesta cooperação permanente. A “defesa europeia” será complementar – e não alternativa – à NATO.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

Comentários
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  • leitor
    10 dez, 2017 Porto 12:40
    Sr(a) cidadao essa foi na muche.
  • Cidadao
    09 dez, 2017 Lisboa 16:34
    Exército Europeu, não haverá. Crise num País, ou é a NATO ou as F.A. desse País que resolvem. Para que é que isto serve afinal? Na realidade, será apenas uma oportunidade para as industrias militares da Alemanha e França, venderem equipamento "comum" a toda a Europa. Mais dinheiro para os do costume.